INTRODUÇÃO
Todas as virtudes são raras.
Mas sobretudo algumas são muito raras, ou porque é mais delicada a sua germinação, ou porque o seu desenvolvimento precisa, antes de tudo, de um terreno de qualidade especial, um conjunto excepcionalmente rico de dons humanos e sobrenaturais.
Escolhemos estudar a gratidão, o espírito de recolhimento, o bom uso do tempo, a discrição, a coragem diante da vida, a magnanimidade perante o sofrimento, o amor pela Reparação e a compaixão para com os doentes.
Não são estudos profundos para uso de psicólogos ou moralistas de profissão, mas exposições muito simples e de extensão variável para uso das almas de boa vontade, que na aquisição de qualquer dessas virtudes encontraram dificuldades práticas que não esperavam.
Às vezes, trata-se menos de uma virtude sobrenatural do que de uma qualidade de ordem humana que é necessário cultivar, porque esta muito ajuda o aperfeiçoamento sobrenatural. Para isso, recorremos a alguns exemplos, que às vezes são mais explicativos do que as melhores teorias.
CAPÍTULO I
A GRATIDÃO
Uma alma que foi visivelmente abençoada por Deus, Maria Antonieta de Geuser, escreveu um dia estas linhas: “Pela minha contínua correspondência à graça, desejaria crescer em amor na medida exata dos dons que o Senhor me concedeu, a fim de ser, para Ele, uma viva ação de graças. Deus traçou a nossa vida.
Parece que cada um dos instantes da minha vida foi preparado de antemão com ternura infinita. Sou como a criancinha que se aplica com todo o cuidado a contornar as letras traçadas pela mãe”. E, enquanto procura ser perfeitamente fiel, sente indizível reconhecimento.
Mais recentemente lemos no Testamento Espiritual de Mons. Chaptal: “No dia em que eu deixar a terra, quero que o meu último pensamento seja para dizer a Deus uma vez mais: obrigado”. Isso foi datado de 2 de maio de 1940, quando o Prelado já tinha quase oitenta anos.
A gratidão é rara
Por que será que tão delicados sentimentos não se encontram em todas as almas? Ah! Quem não se recorda dos dez leprosos curados pelo Mestre, que se retiraram logo após o milagre? Apenas um deles nota que semelhante pressa é indecorosa, e volta atrás para dizer obrigado ao Senhor. E Jesus não pode deixar de perguntar: “E os outros nove?”. Os outros nove desapareceram, sem deixar vestígios.
Por quê?
Para explicar o nosso pouco reconhecimento para com Deus, há razões que dependem da própria atuação da Providência e razões que dependem da nossa fraqueza inata. Deus constantemente concede-nos benefícios, mas fá-lo sem dar-se a conhecer. Ele está lá, por trás da cortina das causas segundas; mas porque Ele — Causa Primeira de tudo — está escondido, não prestamos atenção senão aos benefícios que nos distribui; a silhueta, as mãos e o coração do Benfeitor nos escapam. Deus conserva-nos, a cada instante, no ser. Para essa tarefa é necessário um “dispêndio de energias” (segundo a nossa maneira de falar) igual ao que empregou na nossa origem, para nos tirar do nada.
Quem presta atenção a isso? E se deste exemplo, de ordem natural, passamos à ordem sobrenatural: quem pensa na maravilha inaudita que a Santíssima Trindade realiza no batismo de uma criança, descendo sem ruído, mas de maneira real, a esse frágil ser que chora? O padre consagra, o sino toca à elevação, mas quantos, mesmo dentre os fervorosos, descobrem inteiramente a beleza sublime da realidade operada? Não somos todos, mais ou menos, como Jacó? O Patriarca tinha-se deitado à noite sobre a terra, e Deus manda-lhe a célebre visão da Escada. De manhã, levanta-se, e não vendo nada de extraordinário à sua volta, porque a paisagem era como a da véspera, exclama: “Efetivamente, o Senhor estava aqui e eu não o sabia”. Deus está à nossa volta e trabalha continuamente para nós, mas nós não o descobrimos.
A concessão dos benefícios de Deus não apenas é invisível, mas tem ainda contra nós o fato de ser contínua. Isso deveria ser, da nossa parte, o maior motivo para agradecermos; mas, de fato, psicologicamente não se aprecia o que se recebe de forma habitual. Todas as manhãs recebemos a luz; em cada parcela de segundo o nosso coração impulsiona todo o sangue das nossas veias; em cada respiração os nossos pulmões absorvem o oxigênio do ar que constantemente nos envolve; quem pensa em agradecer a Deus por isso?
Ah! Se por qualquer causa cessam os benefícios, pela sua perda se compreende que era um benefício. Além disso, é tal a nossa grosseria de alma que, quando cessam os benefícios, em vez de agradecermos o tempo em que Deus os concedeu, ordinariamente não sabemos senão lamentar que a sua generosidade tenha acabado. Fracos como somos, falta-nos, mesmo a nós, os crentes, o espírito de fé. Apegados às coisas, mergulhados no sensível, temos enorme dificuldade em nos elevarmos até o mundo invisível. E falta-nos não só o sentido interior, mas também o amor. O nosso coração é acanhado: se possuímos perfeitamente o bem desejado, esquecemos tudo o mais.
Aqui tocamos no principal obstáculo: a falta de espírito filial, do espírito que deveria ser a característica por excelência dos filhos de Deus. Certamente, muitas vezes tratamos a Deus por “Nosso Pai”, mas isso não passa de uma fórmula. Um filho bem educado não recebe nada de seus pais sem dizer imediatamente: “Obrigado, pai. Obrigado, mãe”.
Na nossa infância, se acontecia que, seduzidos pelo brilho ou pela importância do presente, nos esquecêssemos do benfeitor ou da benfeitora, logo ouvia-se uma voz: “Como se diz?”, e se nos limitávamos a balbuciar apenas a palavra “obrigado”, a mesma voz corrigia: “Obrigado a quem?”. Era preciso logo, de bom ou mau grado — e oxalá que sempre fosse de bom grado! —, dizer o nome do benfeitor ou benfeitora. Não é sem custo que aprendemos o reconhecimento aos homens.
Acaso aprende-se em todos os lares cristãos a dizer obrigado a Deus? O padre Faber tem razão em fazer notar: “Que negligência na ação de graças! Como importunamos a Deus quando queremos receber! Depois de ter recebido, em que proporção agradecemos?”. A falta de reconhecimento não é, como o pecado, uma injúria feita a Deus pelos seus inimigos; é uma injúria proveniente dos que se dizem seus amigos, mas cujo amor é muito pobre para se elevar até ao desinteresse.
No Céu, a grande oração dos eleitos é, com a adoração, a ação de graças.
Vivamos o mais possível como se já estivéssemos no Céu, procurando muito mais a glória de Deus do que os nossos pequenos interesses pessoais e mostrando a nossa gratidão pelos seus benefícios. A ação de graças é uma das formas mais perfeitas do culto do amor.