A
Vida de São João da Cruz que aqui oferecemos, embora seja obra póstuma de Pe. Crisógono
[1], tem características das obras que perduram e sempre serão admiradas, ainda que nunca cheguem a alcançar o grau de perfeição idealizada pelo seu autor. Com a provada competência de um dos melhores são-joanistas de todos os tempos e com carinho enérgico e juvenil, trabalhou incansavelmente na procura e no estudo direto das fontes manuscritas, muitas delas inéditas, para um concurso de biografias do Santo.
O seu trabalho viu-se coroado dos melhores êxitos, alcançando o primeiro prêmio pelo valor crítico e literário da sua obra, não obstante não ter sido a mais volumosa, precisamente pelos excelentes dotes de concisão e seleção.
A decisão do tribunal examinador, anexa ao prêmio do Ministério da Educação Nacional
[2], não podia ser mais lisonjeiro para um biógrafo. Era do seguinte teor: “É uma obra de grande envergadura que se evidencia pelas características seguintes:
1. Um trabalho de preparação que levou o autor aos arquivos onde se encontram os documentos relativos a São João da Cruz e os originais das suas obras.
2. A descoberta de numerosos pormenores e notícias manuscritas que enriquecem o nosso conhecimento do Santo.
3. Descrição viva e autêntica dos lugares onde viveu São João da Cruz, com circunstâncias e pormenores que revelam o conhecimento direto dos mesmos.
4. Grande certeza na descrição do ambiente social, intelectual e religioso, que supõe uma clara visão da vida espanhola do século XVI.
5. Exposição agradável onde se aliam a amenidade e a facilidade da linguagem, sempre simples e ágil, apesar das novidades documentais e das discussões críticas que aparecem nas notas.
6. Este trabalho não ocupa apenas um lugar de honra entre as melhores biografias de São João da Cruz, mas é superior a eles por seu valor histórico e documental, e será prova evidente da sua utilidade, não apenas para a generalidade do público leitor, mas também para os próprios especialistas em São João da Cruz, o Místico Doutor.”
Efetivamente, a leitura repetida deste livro (por ser um dos livros que se leem com prazer muitas vezes) sugere-nos a mesma apreciação que a poesia do Santo sugeria a Menéndez Pelayo. “Por aqui passou o espírito divino embelezando e santificando tudo”. Constata-se neste homem sublime que foi João de Yepes, graças à habilidade e arte do Pe. Crisógono, uma maravilhosa harmonia entre o divino e o humano. Estamos muito longe da verdade se pretendermos imaginar o místico ausente sempre das realidades terrenas, imerso em êxtases de amor e num ambiente milagroso, tal como no-lo apresentaram alguns biógrafos e uma grande parte da sua iconografia. Se Frei Luis de León, aludindo aos livros do Pai do Carmelo, pôde afirmar que “não conhecia santo a quem comparar a delicadeza desses livros”
[3], pondo de parte a comparação, pode afirmar-se, certamente, que a lição humana de amabilidade, de entusiasmo, de juventude, de entrega a um ideal e de ternura perante a beleza e a bondade, poucas vezes se viu e foi partilhada, como algo que apaixona o leitor, como a biografia do Pe. Crisógono.
Retábulo de extraordinária beleza, de humanidade sublime que, a cada instante, descreve a realidade e o pormenor da figura e seus contornos, de princípio a fim, eis a extraordinária obra de arte que temos a honra de apresentar. Era necessária a habilidade do Pe. Crisógono para modernizar, com tão grande êxito, a personalidade gigantesca de São João da Cruz. Lembremos, apenas, alguns dos elogios que, acerca do seu “senequita”, fez Santa Teresa: “Embora seja pequeno, entendo que é grande aos olhos de Deus. Não há frade que não fale bem dele. Animou-me muito o espírito que o Senhor lhe deu e a virtude. Tem muita oração e bom entendimento”
[4].
“O Padre Frei João da Cruz é uma das almas mais puras que Deus tem na sua Igreja. Concedeu-lhe Nosso Senhor grandes riquezas da sabedoria do céu”
[5].
“A Frei João da Cruz todos o têm por santo, e todas, creio, não exageram; na minha opinião é uma joia de grande valor”
[6].
“Grande aproveitamento realiza este descalço que é confessor aqui; é Frei João da Cruz”
[7].
“Filha, aí vai o Padre Frei João da Cruz; com simplicidade comuniquem com ele as suas almas como se fosse eu mesma, porque tem espírito de Nosso Senhor”
[8].
“Achei-lhe graça, filha, de quão sem razão se queixa, pois tem aí o meu Padre Frei João da Cruz, que é um homem celestial e divino. Pois eu digo à minha filha que, depois que ele foi para aí, não encontrei outro como ele em toda a Castela, com tanto fervor a caminho do céu. Não calcula a solidão que me causa a sua falta. Olhem que é um grande tesouro que têm nesse santo. Todas as dessa casa tratem e comuniquem com ele as coisas da sua alma e verão qual o seu aproveitamento e achar-se-ão muito adiante em tudo o que é espírito e perfeição; porque lhe deu Nosso Senhor, para isto, graça particular”
[9].
“Garanto-lhes que muito desejaria eu ter aqui o meu Padre Frei João da Cruz que, na verdade o é da minha alma e um dos que mais aproveitamento lhe faziam ao comunicar com ele. Façam-no, minhas filhas, com toda a simplicidade que certamente a podem ter comigo mesma e dar-lhes-á grande satisfação, pois é muito espiritual e tem muita experiência e sabedoria. Por cá, sentem a sua ausência as que se tinham acostumado à sua doutrina. Agradeçam a Deus que determinou que o tenha aí tão perto”
[10].
“Os ossos daquele pequenino corpo hão de realizar milagres”
[11].
Há uma relação que diz: “A Santa Madre Teresa de Jesus dizia que não se podia falar de Deus com o santo Padre Frei João da Cruz, porque logo se elevava no seu amor”
[12].
Depois de Santa Teresa, os elogios mais laudatórios do Santo, são abundantes e da mais diversa procedência, sobretudo no século atual. Valha, por todos, a voz autorizada do fervoroso são-joanista, B. Jiménez Duque: “São João da Cruz é, por antonomásia, o Doutor Místico da Igreja, o representante principal da sua mística no mundo, a figura mais egrégia da cultura hispânica e uma das principais da cultura universal” (Ano Cristão. B.A.C., t. 4, p. 459).
Esta biografia situa, diante do nosso olhar, a trajetória luminosa deste homem excepcional, pela sua sensibilidade de poeta e pela sua rica personalidade, colocada ao serviço da graça e dos seus irmãos
[13].
[1] Morreu em 5 de março de 1945 em Usúrbil (Espanha), aos quarenta anos de idade. Nasceu em 24 de novembro de 1904 em Villamorisca (Lião). Aos onze anos ingressou no Seminário Carmelitano de Medina del Campo, onde teve sempre as classificações mais altas. Fez a sua profissão religiosa em Segóvia no dia 5 de dezembro de 1920; estudou a filosofia em Ávila, e a teologia, em Salamanca, sempre com as mais brilhantes avaliações, e foi ordenado sacerdote no dia 2 de abril de 1927. Sendo ainda estudante, ganhou diversos concursos científico-literários e, aos vinte e dois anos, terminou a sua obra São João da Cruz; sua obra científica e a sua obra literária, em dois volumes, publicada em 1930. Além de numerosos trabalhos publicados em revistas nacionais e estrangeiras, os seus livros mais interessantes, do ponto de vista carmelitano e que são de interesse para a história da espiritualidade, são
: A Escola Mística Carmelitana (1930);
La perfectión et la Mystique selon Saint Thomas et Saint Jean de la Croix (1932);
Compêndio de Ascética e Mística (1933), em várias edições espanholas e uma em latim;
São João da Cruz: o homem, o doutor, o poeta (1935);
Santa Teresa, a sua vida e a sua doutrina (1936);
Perfeição e apostolado, em Santa Teresa (1941); depois da sua morte, publicou-se E
nsinamentos de Santa Teresinha (1947) e
A verdade cristã perante os problemas.
[2] O concurso a que fazemos referência, foi organizado por ocasião do 4.°. centenário do nascimento de São João da Cruz (1942-1945) do qual o Pe. Crisógono, precisamente, foi organizador e animador incansável, multiplicando-se em conferências e atos acadêmicos, em toda a Península, durante estes anos
[3] Decl. de Ana de Jesus, Ms. 12.738, f. 813.
[4] Carta de setembro de 1568, a Salcedo.
[5] Às religiosas de Valladolid. Decl. de Maria Evangelista.
[6] Ms. 8.568, f. 72. Isto mesmo declara Ana de S. Alberto em Caravaca.
[7] Carta de 27 de setembro, a D. Joana.
[8] Carta de janeiro de 1580, a Ana de S. Alberto.
[9] Carta de Novembro de 1578, a Ana de Jesus.
[10] Carta de Outubro de 1578, a Blás.
[11] Palavras da Santa às carmelitas de La Roda, Ms. 13.460, f. 99.
[13] Esta biografia foi perdida de dois compêndios do mesmo autor e que lhe serviram de ensaio para esta obra magistral. O primeiro, mais intelectual, foi a síntese da sua vida, com 47 páginas, no seu livro São João da Cruz: o homem, o doutor, o poeta (Barcelona, Edit. Labor (1935), 231 pág.; 2.ª ed. 1946; trad. inglesa, 1942; trad. portuguesa, 1960. O segundo ensaio biográfico, mais em estilo popular, foi publicado com o título Vida de São João da Cruz (San Sebastián, 1941) , com 112 páginas; 2.ª ed., Madri , 1959.