Apresentação
A devoção a São Bento é ainda hoje muito forte em Portugal, mas infelizmente está um pouco fora dos moldes cristãos em que se devem fundar as festividades em sua honra. Pareceu-nos, porém, mais útil do que gritar aos quatro ventos contra a intromissão do paganismo nestas e noutras festas religiosas, pôr nas mãos dos romeiros e de todos quantos invocam o glorioso São Bento com fé ardente e simples alguma coisa que, ilustrando a sua piedade, fosse como um contraveneno, que restituísse a pureza do espirito cristão, e que os fizesse proceder em conformidade com ele. Pois acreditamos que as grandes reformas nas almas e na sociedade se hão de fazer do interior para o exterior, e que só assim serão profundas, sólidas e duradouras.
Foi em obediência a este pensamento que escrevemos, em linguagem simples, esta “Vida de São Bento contada às almas simples”, servindo-nos principalmente dos livros citados abaixo em nota
[1], que qualquer devoto mais interessado poderá consultar com grande proveito. Esperamos realizar o nosso desejo e contribuir desta forma para a ilustração e o fervor dos muitos devotos do Glorioso Patriarca dos Monges do Ocidente: São Bento.
Um filho seu.
Capítulo I
Nascimento e primeiros anos
O fim do século V foi um período crítico. O Império Romano do Ocidente, mais gasto pela corrupção do que pelos anos, havia ruído. Nestes tempos, e em meio à dominação ariana e pagã, um pequenino rebanho pastoreado pelo Papa Simplício era o único fermento de luz, de verdade e vida.
A região de Núrsia, na Itália, onde São Bento nasceu, é uma terra fria e privilegiada. Os montes Apeninos resguardavam-na da corrupção das cidades, pois a natureza áspera e grandiosa das montanhas sempre inspira costumes mais sãos, eleva os corações mais alto, acima das baixezas, das fraquezas de caráter mais frequentes nos habitantes de outras regiões. O homem da serra é valente e simples, íntegro e generoso, vigoroso e de vontade forte. Através de todas as instabilidades da história de Roma, Núrsia conservou a autonomia e, com ela, as velhas tradições e instituições romanas.
Infelizmente, porém, os seus habitantes, apesar de tão bem dotados, eram ainda pagãos. Foi nesta região que o bispo Foligno, em meados do século III, anunciou o Evangelho. Estes corações retos, ainda não contaminados pela corrupção, tinham grande apego aos seus deuses. No entanto, desde o instante que, na sinceridade de sua fé, acolheram a Cristo, foram muito generosos e dóceis, facilitando assim a cristianização dos costumes.
E foi então, no ano de 480, quando este sangue romano tão puro estava já enobrecido e divinizado pela graça, que nasceu aquele que havia de ser o Patriarca dos Monges do Ocidente: São Bento. Descendia da velha nobreza de seu país, e era certamente filho de pais cristaníssimos, pois a santidade dos filhos é, de certo modo, o testemunho da virtude dos pais. Sabe-se que teve uma irmã gêmea, Escolástica, que se consagrou a Deus na terna idade. Os dois eram unidos pelo mais terno amor, o que nos permite supor que havia harmonia em toda a família.
Bento, desde pequenino, foi bendito pela graça e pelo nome. Diz o Papa São Gregório Magno, seu primeiro biógrafo, que com poucos anos já manifestava a prudência de um ancião. Não que ele tivesse envelhecido antes da idade e fosse um menino sem o frescor e a ingenuidade próprios dos primeiros anos, mas a sua inteligência despertou logo, sem nada perder dos atributos de sua idade. Conheceu por intuição o que a maior parte só conhece por experiência: a vaidade de todas as coisas. É nesse sentido que ele se dizia “sabiamente ignorante”, pois na realidade, como está provado em estudos críticos, possuía grande conhecimento tanto das ciências sagradas como das profanas. Desde cedo começou a fazer em sua terra os estudos próprios desta época, segundo era tradição entre os nobres, que cuidavam muito bem da educação dos filhos.
Bento era maduro desde a infância, e em todos os pormenores de sua vida se nota a maturidade de um ancião. O traço predominante do seu caráter era um profundo espírito religioso, uma tendência tão enraizada para a busca das coisas divinas que a sua alma se erguia para Deus com a mesma naturalidade com que respiramos.
(...)
[1] Diálogos de São Gregório Magno – Liv. 11, (edição latina) -
Saint Benoit-L’ceuvre et l’âme du Patriarche – por D. S. du Fresnel, O.S.B. – Abbaye de Maredsous – Namur – Bélgica. -
Essai sur la physionomie morale de Saint Benoit – por D. I. Ryelandt, O.S.B. – Maredsous.