Capítulo I
Perigos e efeitos funestos do desânimo
O desânimo é a tentação mais perigosa que o inimigo da salvação dos homens possa enviar-nos. Nas outras tentações, ele só ataca uma virtude em particular e mostra-se a descoberto; no desânimo, ataca-as todas, e esconde-se.
Nas outras tentações, vê-se facilmente a cilada; encontramos na Religião, não raro na própria razão, e numa educação cristã, sentimentos que as condenam: a vista do mal que não podemos disfarçar, a consciência, os princípios de Religião que nos vêm à mente, servem de apoio para nos sustentarmos. No desânimo, não achamos socorro algum; sentimos que a razão não basta para praticar todo o bem que Deus pede; por outro lado, não esperamos achar junto a Deus a proteção de que necessitamos para resistir às paixões. Achamo-nos, pois, sem coragem, prontos a tudo abandonar; e é aí mesmo que o demônio quer conduzir a alma desanimada.
Nas outras tentações, vemos claramente que seria um mal aderir a elas deliberadamente: no desânimo, disfarçado sob mil formas, acreditamos ter as mais sólidas razões para nos deixarmos guiar por esse sentimento, que não consideramos como uma tentação. Entretanto, esse sentimento faz considerar como impossível a prática constante das virtudes, e expõe a alma a se deixar vencer por todas as paixões. É, pois, importante evitar essa cilada.
Capítulo II
O efeito mais funesto do desânimo é que a alma que nele cai não o considera uma tentação. A esperança e a confiança em Deus são tão recomendadas quanto a Fé e as outras virtudes
O que faz o grande mal de uma alma desanimada é que, iludida por um temor excessivo que lhe disfarça os verdadeiros princípios, abatida pela vista das dificuldades contra as quais não acha em si mesma recurso algum, ela não considera esse estado como uma tentação. Se o encarasse sob este ponto de vista, desconfiaria das razões que o alimentam: e, assim, sairia dele bem mais cedo e mais facilmente.
É certo, entretanto, que se trata de uma tentação bem definida; porquanto todo sentimento que é oposto à lei de Deus, ou em si mesmo ou pelas consequências que pode ter, evidentemente é uma tentação. Se nos vem um pensamento contra a Fé, um sentimento contra a Caridade, ou contra alguma outra virtude, consideramo-lo como uma tentação, desviamo-nos dele, e aplicamo-nos a produzir atos opostos a esse pensamento, a esse sentimento, que nos põe em perigo de ofender a Deus.
Ora, a Esperança e a confiança em Deus são tão recomendadas quanto a Fé e as outras virtudes. O sentimento que vai contra a Esperança é tão nocivo quanto o que vai contra a Fé, e contra qualquer outra virtude: é, pois, uma tentação bem caracterizada. Devemos fazer frequentes Atos de Fé, de Esperança e de Caridade, e evitar todo ato ou sentimento deliberado contrário a essas virtudes tão preciosas e tão salutares. Deve-se, pois, considerar o desânimo como uma tentação, e mesmo como uma tentação das mais perigosas, visto que expõe a alma cristã a abandonar toda obra de piedade.
Para desenvolver em nós a consciência desse perigo, examinemos a conduta ordinária dos homens. A esperança de ser bem-sucedido, de proporcionar a si mesmos um bem, de evitar um mal, numa palavra, de satisfazer algum desejo ou alguma paixão, é o que os faz agir, o que os sustenta nas dificuldades que têm de suportar, e que os anima nos obstáculos que precisam vencer.
Se lhes for tirada toda esperança, eles logo cairão na inação. Só um louco se daria ao trabalho de lutar por um objetivo que não espera poder conseguir. O desânimo produz o mesmo efeito na prática das virtudes; funda-se no mesmo princípio, a falta dos meios para chegar ao fim que nos propomos.
A alma cristã que não espera vencer-se na prática de alguma virtude, nada ou quase nada faz para se fortificar. Os esforços insuficientes aumentam-lhe a fraqueza; e, vencida pelo desânimo, ela se deixa facilmente arrastar à paixão que a domina. A vista da sua fraqueza lança-a primeiramente na indecisão, na perturbação. Neste estado, toda concentrada na dificuldade que sente em combater, ela já não vê os princípios que devem guiá-la. O temor de não ser bem-sucedida impede-a de enxergar os meios que deve adotar para vencer, e que Deus lhe apresenta: ela se entrega, pois, ao inimigo sem defesa. É como uma criança a quem a vista de um gigante que avança contra ela faz tremer, e que não pensa que uma pedra basta para derrubá-lo, se ela se servir dessa pedra em nome do Senhor. Essa alma, assim desanimada, tem um socorro poderoso na bondade do Pai mais terno; e basta-lhe reclamar esse socorro, para sair vitoriosa do combate.