Introdução
O estudo e a leitura das obras de Santa Teresa de Jesus necessitam de uma adequada introdução. Mesmo que a Santa tenha — hoje como ontem — leitores assíduos das suas obras e tenha sido traduzida nas principais línguas do mundo — compreendidas aquelas que podem parecer mais exóticas, como japonês, coreano, turco, tamil, grego — uma melhor compreensão de sua pessoa, da sua doutrina e da sua mensagem necessitam de uma primeira aproximação metodológica para superar os inconvenientes que às vezes podem surgir na sua leitura e indicar as chaves de leitura de uma mensagem que, mesmo sendo atual, tem necessidade da mediação do estudo científico e da interpretação teológica, espiritual e pastoral.
É mesmo uma introdução à leitura de Santa Teresa o que pretendo fazer com estas páginas, seguindo a tradição de outros professores que me antecederam no ensinamento de Santa Teresa na Pontifícia Faculdade do Teresianum.
Estas páginas são devedoras também aos ensinamentos, em especial às orientações e estudos do Frei Tomás Álvarez. Por isso, especialmente em alguns capítulos da primeira parte, não renunciamos a elaborar algumas de suas páginas e inseri-las na abordagem sistemática, para que não se percam preciosos fragmentos de sabedoria teresiana, que tanto ajudam a descobrir a pessoa, o estilo e o gênio de Teresa de Jesus.
Na economia de um curso sistemático, dividimos a abordagem em três partes. Na primeira, queremos apresentar a figura de Teresa de Jesus, sua biografia, seus escritos. Na segunda parte oferecemos uma introdução as suas obras maiores: Vida, Caminho de Perfeição, Castelo Interior. Na terceira parte, enfim, enfrentaremos algumas temáticas da teologia espiritual teresiana, com estudos monográficos sobre a oração, o mistério de Cristo, a Virgem Maria, a santidade apostólica. Para outras temáticas o leitor encontrará indicações na bibliografia geral.
A falta de livros de introdução a Santa Teresa de Jesus em língua portuguesa nos aconselhou a seguir este método expositivo e a escolher os conteúdos, acrescentando no fim de cada capítulo a bibliografia oportuna.
Roma, fevereiro de 1996
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PRIMEIRA PARTE
TERESA DE JESUS: PERSONALIDADE
VIDA
ESCRITOS
Capítulo 1
Santa Teresa de Jesus num curso de Teologia Espiritual
Dedicamos uma breve introdução à figura de Santa Teresa de Jesus, enquadrada no contexto de um curso de teologia espiritual.
Para compreender sua figura, é preciso lembrar que Teresa de Jesus é:
- uma autora que pertence à história da espiritualidade;
- uma mística que testemunha o mistério do Deus vivo;
- uma mestra de vida espiritual, cuja doutrina permanece um marco referencial em alguns temas fundamentais da vida cristã, como a oração, a experiência mística, o dinamismo da santidade cristã, o cristocentrismo, o serviço eclesial.
Uma melhor compreensão da sua figura deve acontecer claramente a partir da teologia dos santos e da teologia dos carismas. Com sua santidade e doutrina, os santos constituem uma fonte privilegiada da fé e da vida da Igreja. Nos seus carismas exprime-se um particular desígnio do Espírito, que em cada época enriquece a Igreja com Seus dons para o bem do povo de Deus. Deve-se colher em Teresa a relação entre santidade e teologia, isto é, entre o vivido e a reflexão doutrinal — conforme a intuição de H. U. Von Balthasar, como se dirá mais adiante — e reconhecer o sentido carismático, dom para a Igreja, da sua figura e do seu ensinamento; um carisma reconhecido pela Igreja com a proclamação, feita pelo Papa Paulo VI em 27 de setembro de 1970, como primeira mulher Doutora da Igreja.
É, pois, o seu testemunho em favor da fé, da doutrina evangélica, da verdade e da santidade da Igreja, que constitui o segredo da doutrina e do magistério teresiano e, portanto, do seu carisma eclesial.
1. Três figuras iconográficas para conhecer Teresa
Procuremos entrar progressivamente no conhecimento dessa autora através da sua iconografia característica, que a apresenta em três tipos iconográficos mais conhecidos e correspondentes à verdade das coisas, mas também à avaliação da sua figura e da sua doutrina.
Uma santa mística. Teresa de Jesus é considerada uma santa mística, como aparece na imagem da “transverberação”, a graça extática que Teresa narra no capítulo 29 da Vida. João Lourenço Bernini esculpiu essa imagem em branco mármore de Carrara, em 1647, e fez dela uma obra-prima do barroco. O artista julgava-a, entre as muitas imagens extáticas por ele esculpidas, a “menos pior”. É a imagem que se encontra na Capela Cornaro da Igreja de Santa Maria da Vitória, em Roma. Trata-se da imagem preferida pelo mundo barroco e pela interpretação barroca da espiritualidade teresiana: atenção ao maravilhoso, à fenomenologia mística, à irrupção do divino; com uma acentuação do proprium da experiência mística teresiana, do mais vistoso, apesar de, no caso da transverberação, não se tratar da experiência mística mais importante da Santa. São superiores a graça do matrimônio espiritual e as visões trinitárias.
Uma santa escritora. Assim é proposta na figura da mestra espiritual, na imagem de Filipe della Valle na Basílica Vaticana, de 1754. A Santa aparece como escritora, com pena na mão e o livro aberto. Aos seus pés uma inscrição em latim, que inicia com as palavras “Spirit. mater”. Uma leitura errada dessas palavras difundiu o título dado à Santa de ‘Mãe dos espirituais’. Na realidade o título se refere a Teresa enquanto ‘Mãe espiritual” da nova Reforma dos Carmelitas Descalços. Assim aparece também em outros tipos iconográficos, sentada, escrevendo ou em pé, com livro e pena.
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