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Podeis imaginar o que João Bosco aos cinco anos pretendia, enquanto corria, lutava, e brincava com os outros moleques? “Ensinar-lhes o catecismo”. Nem todos tinham mãe como a dele; e a Igreja era longe. Que lhes aconteceria se continuassem ignorando as verdades elementares de que depende a salvação eterna? “Parecia-me”, confessava ele mais tarde, “que era esta minha única missão na terra”.
Teve certeza de sua vocação. Para dizer a verdade, enquanto contava as histórias de José e seus irmãos, Ester em frente de Assuero e Moisés sobre o Nilo, tudo ia muito bem, ficavam encantados escutando-o, pois João enfeitava as cenas, encarnava os personagens com tamanha vivacidade e naturalidade que arrebatava seus jovens ouvintes; mas, quando abordava os mandamentos de Deus e da Igreja, achavam-no menos interessante e logo se aborreciam. Quando ele teimava, zangavam-se, quando se impunha, sacudiam-no. Praguejavam, com o intuito de aborrecê-lo. Uns ficavam de um lado, outros de outro, daí as brigas, as lutas, os tapas. Nunca era ele o último a bater, pois a injustiça o indignava, e seu precoce apostolado ignorava completamente a delicadeza do trato.
Confiante na sua força física, e em nome da Santa Verdade, não poupava pancadas. Veio trazer a paz e só conseguia provocar brigas. Que desilusão! Quando voltasse para seu casebre não poderia mais dizer sem mentir: “Quando lá estou, eles não brigam”. Teimava, entretanto. Um João Bosco não desanima facilmente. Um dia haveria de ser melhor compreendido.
E a paz estaria sempre em sua casa? Antônio crescia e já era quase um homem, trabalhava bastante, um verdadeiro camponês. Nada via além de seu campo, abençoado por Deus, mas seu, e para um camponês, lavrar bem, bem semear e podar a vinha sob as bênçãos de Deus é o bastante para a salvação: é até mesmo o único meio. José também seria camponês, João também, por que não? Por que se calava? Por que chorava? Por que parecia mais inteligente que os outros? Por que gostava dos estudos? Sim, ele, um simples camponês, queria aprender a ler! Poderia alguém imaginar uma coisa destas?
Quando a mãe não estava, Antônio não se furtava de dar ordens, falava como patrão; mas os outros queriam obedecer à mãe, não a ele. José acabava por ceder, mas bem sabemos que o menor abuso de poder irritava João, uma advertência injusta ou brutal muito o atingia em seu amor próprio. Ele teimava, Antônio erguia a mão, mas o garoto sabia se defender com pés, punhos e dentes.
Foi assim que mamãe Margarida, ao voltar do mercado onde ia invariavelmente às quintas-feiras vender manteiga e ovos, encontrou certa noite os três filhos brigando, o mais velho maltratando os dois menores. Repreendeu-o por abusar de sua idade; Antônio a desafiou:
— Ah! Madrasta, madrasta!
Mamãe Margarida não se intimidou:
— Sempre te tratei como meu próprio filho — disse ela — não poderás dizer o contrário. Tenho direito e força para te corrigir, não o farei. Agora, espanca tua mãe!
Antônio abrandou-se; Joãozinho aprendeu com sua mãe esta calma e controle ante os impulsos da paixão. Será que isto bastou para transformá-lo, a ele que trazia nas veias tanta violência quanto seu irmão mais velho? Não, porque o céu teve de intervir. Admiremos esta colaboração incessante, este apoio mútuo para educá-lo até a idade adulta, da mãe da terra e da Mãe do Céu.
Antônio opunha-se a que pusessem João no colégio; precisavam de seus bracinhos. A escola de Castelnuovo d’Asti estava a cinco quilômetros dali, era muito para uma criança, mesmo que vigorosa. A aldeia natal de Mamãe Margarida, Capriglio, era bem mais próxima, e João Bosco, durante dois invernos, lá ia diariamente a pé, aprender com Dom Delaqua, um padre muito santo, a ler, escrever e principalmente, a conhecer melhor a Deus.
Depois, vigiava as vacas. Meio pastor, meio estudante, levava o livro ao pasto, vigiando com um olho e lendo com outro. Quando estava muito absorvido no estudo, os animais não se perdiam. Molecotes rodeavam-no para tirá-lo de tão incompreensível silêncio. O tempo estava tão claro, tão agradável, seria tão bom brincar!
— Brincas, João Bosco?
— Hoje não, vou estudar.
— Vamos. Isto não tem pressa.
Certo dia em que insistiram muito, puxando-o pelos pés ou atirando o livro ao chão, deixou escapar:
Deixem-me, vou ser padre.
Esta declaração tão inesperada causou tão forte impressão nos garotos que, respeitosos, deixaram de importuná-lo e retiraram-se em silêncio.
Foi nesse pasto, próximo à sua casa, que o pequeno Bosco, João Boschetto, como o chamavam, trocava todos os dias o pão branco de sua merenda pelo pão preto de outro pastor, alegando preferir o último.
De fato, no pobre lar dos Becchi, mendigos e vagabundos eram recebidos, às vezes recolhidos, sempre alimentados; partilhavam sua pobre parte com os mais pobres. João tinha cerca de nove anos.
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