III. Retrato de uma santa
1. Aspecto exterior
Sua companheira, Maria de São José, deixou-nos estes traços do semblante de Teresa:
· Tinha estatura média, mais do que alta, encorpada mais do que magra, bem proporcionada.
· Seu rosto era agradável; sua fronte, ampla e bonita; seus olhos, vivos, negros, redondos, cheios de alegria; três pintas ao redor da boca conferiam-lhe maior graça.
· Dava prazer fixar o olhar nela e ouvi-la, porque era agradável e graciosa em suas palavras e ações.
· Tinha uma graça especial no seu andar, no falar, no olhar, em todos os gestos e em qualquer semblante que mostrasse. Tudo caía-lhe muito bem.
É o retrato que coincide com o quadro que nos deixou o irmão leigo João da Miséria e que lhe custou uma bela bronca: “Deus te perdoe, Frei João, que me pintaste feia e remelenta”.
2. Fisionomia moral
É difícil resumir em breves pinceladas a personalidade de Teresa sem pecar por excesso de panegírico ou por defeito de miopia.
· Seu caráter era eufórico, extrovertido; afetuosa e reservada; hábil e agradável na conversa, com grande senso de adaptação a circunstâncias e pessoas.
· Destacava-se pela nobreza, honradez, integridade e sinceridade; amiga da verdade, rejeitava qualquer fingimento ou hipocrisia. Inclinada à amizade por natureza; sensibilíssima aos favores e extremamente agradecida.
· Era manhosa nos trabalhos de casa, habilíssima “como um tabelião” no uso da pena.
· Foi amiga de letras, livros e letrados, em virtude de sua intensa paixão pela verdade.
· Suas numerosas doenças, os trabalhos e as perseguições não minguaram o bom humor que cativava a todos.
· Foi empreendedora em suas iniciativas e tenaz em levá-las a termo; com grande capacidade de trabalho e sacrifício.
· Era dotada de grande espírito proselitista para atrair e envolver na sua aventura os melhores colaboradores.
· Suave em seu governo, atuava com soberana liberdade e magnanimidade nos “negócios de Deus”.
Conclusão
A figura e a vida de Teresa de Jesus constituem um exemplo patente da obra da graça; penetra o tecido humano e o transforma, sem destruí-lo, sublimando-o.
A vibração humana e a irrupção divina formam a unidade dessa maravilhosa aventura de santidade.
Teresa de Jesus não é doutora de ensinamentos abstratos, mas de vida; seu humanismo cristão garante o êxito da sua mensagem entre as pessoas do nosso tempo.
Capítulo II
Os escritos teresianos
Introdução
1. Santa Teresa é conhecida sobretudo como escritora mística. Sua figura é viva entre os homens de hoje por seus escritos, editados centenas de vezes, traduzidos para todas as línguas modernas da Europa e do Oriente.
Pode-se afirmar que quase nenhum escritor espiritual da antiguidade teve tamanho êxito editorial como Teresa. Mais de 500 edições parciais ou completas no decorrer do último século.
2. Para os nossos contemporâneos, esses livros possuem singular autoridade, porque são testemunho de vida, retrato da alma, escola de espiritualidade, mensagem autêntica de uma vida transformada pela graça.
I. Algumas características
1. Fruto da obediência
a) Os escritos teresianos são ocasionais; nasceram apesar da repugnância natural da autora; ela, que teria contado a todo o mundo os seus pecados, sentia um pudor instintivo de manifestar as graças do Senhor.
b) As primeiras páginas espirituais nasceram da necessidade de dar a conhecer o estado de sua alma diante da irrupção das graças e da desconfiança dos confessores. Na primeira vez pôde apenas sublinhar algumas frases de um livro que expressava os sentimentos do seu estado de oração (V 23,12-167).
c) Depois, para cada livro houve sempre o convite da obediência; as instâncias de suas filhas, do confessor ou superior obrigavam-na a escrever. Ela protestava docemente, pedindo que a deixassem “fiar a sua roca e a seguir seu coro...” (Cf. V 10,7).
2. Retrato de sua alma
a) Em todos os livros teresianos predomina o caráter autobiográfico, vivencial, de testemunho; neles verte a sua pessoa e a sua vida. Diante da identidade dos seus sentimentos com as páginas que escreve, chega afirmar: “É a minha alma...”
b) Os que não a conheceram em vida puderam afirmar que seus escritos refletiam sua vida, sua figura; para os que a conheciam, a leitura dos seus livros tornavam-na viva e palpitante, quase presente, com sua voz e sua força de convicção. Assim escreverá Frei Luís de León, na introdução da edição princeps:
“Não conheci nem vi a Madre Teresa...; mas agora eu a conheço e a vejo quase sempre em duas imagens vivas que nos deixou de si, a saber: suas filhas e seus livros”.
Outros contemporâneos afirmavam:
“Quando leio os seus livros, tenho a impressão de escutar a sua própria voz”; “não vi duas imagens tão parecidas entre si como seus livros e sua figura”.
3. Testemunho da experiência
a) Não são escritos intelectuais, pesados, estruturados, com esquemas prévios e citações; a vida corre a caudais, superando qualquer esquematismo; reflete uma experiência viva e imediata.
b) Todos são como uma longa carta, íntima e pessoal, em que Teresa conta ao leitor a história da sua vida, para atraí-lo à mesma experiência divina. A sinceridade do seu testemunho garante inclusive o realismo e a veracidade dos fatos extraordinários que narra.
4. Força carismática
a) Possuem algo de sobrenatural e carismático. A própria autora chega a afirmar que um impulso sobrenatural facilita a sua expressão e guia a sua pena (V 14, 9) e até a obriga a proclamar em voz alta as suas experiências (V 27,13).
b) Essa força carismática é o reflexo da carga sobrenatural de sua vida:
· pela experiência mística excepcional de seu itinerário espiritual;
· pelo dom que teve de expressar com clareza mistérios e realidades inefáveis (V 17,5; 19,13).
· pelo dom que possuem seus escritos para atrair o leitor ao círculo de sua experiência.
5. As fontes
As fontes escritas do pensamento teresiano são escassas e indeterminadas. Somente algumas merecem especial menção:
a) A Sagrada Escritura
· Seu amor pela Palavra de Deus foi proverbial. Por uma verdade da Escritura, dizia, teria dado a sua vida (V 33,5). De um seu diálogo com o Cristo transmitiu-nos estas palavras: “Todo o mal que vem ao mundo decorre de não conhecerem as verdades da Escritura com clareza” (V 40,1-2).
· Para ela, a Escritura será norma da verdade e segurança nas suas experiências. Recebe do Senhor a graça de penetrar o sentido íntimo de alguns textos. Apoia sua doutrina espiritual sobre algumas frases fundamentais.
· Seus livros preferidos são os Evangelhos, as Cartas paulinas, o Cântico dos Cânticos, os Salmos.
b) As alusões a outros livros espirituais têm menor importância:
· alguns textos dos Padres: Agostinho, Jerônimo e Gregório;
· o livro da Imitação de Cristo;
· alguns espirituais franciscanos, entre eles o Terceiro Abecedário, de Francisco de Osuna; a Subida do Monte Sião, de Bernardino de Laredo; o Livro da oração, de Pedro de Alcântara;
· a Vida de Cristo, do monge cartuxo Landulfo de Saxônia.
c) Constituem, portanto, fontes principais de seus escritos:
· Sua vasta experiência pessoal, humana e sobrenatural;
· sua capacidade de assimilar escritos, leituras, sermões, conversas;
· a penetração pessoal, com fé vivíssima e lúcida, do mistério da existência cristã na Igreja.
d) Em alguns escritos não só assimila, mas também contesta opiniões correntes que julga errôneas. Disso decorre a sentido polêmico de algumas páginas:
· sobre a humanidade de Cristo na vida espiritual (V 22).
· sobre a dignidade e prerrogativas da mulher (CE 4).
sobre a apologia da oração (C 19-24).