O que significa a Missa
1. Uma lembrança de Jesus
Vós me perguntais, caríssimos irmãos: o que é propriamente a Missa? Introduzo-vos no Cenáculo que já conheceis. Vemos aí o Salvador, sentado à mesa entre seus doze Apóstolos. É um grande e solene momento. Como um pai antes de morrer reúne os seus filhos para lhes dizer sua derradeira vontade, assim também o faz o Salvador. Faz seu testamento. Toma o pão e o converte em seu corpo; toma um cálice com vinho e transforma este em seu sangue; e serve-os a seus Apóstolos. Pronuncia, então, as significativas palavras: “Fazei isto em memória de mim”. O que quer dizer com isto?
Façamos outra comparação. Imaginai que vossa mãe, no leito da agonia, vos chama e diz: “Meu filho, peço-te que, quando eu morrer, rezes por mim, todos os domingos, um Pai Nosso”. O que faríeis? Seria preciso que tivésseis um coração de pedra para não terdes como sagrado o último desejo de vossa mãe, e não o cumprirdes fielmente. Vou contar-vos um pequeno fato de minha vida. Tinha eu uma avó piedosa, que viveu seus últimos anos na casa de meus pais, e atingiu a idade de oitenta e cinco anos. Na última vez que a vi, eu era aluno de teologia e passava, então, as férias na minha cidade natal. Um dia, ela me chamou de parte e disse em tom solene, muito emocionada: “João, (era o meu nome de batismo) quando eu morrer, reza por mim! Ainda menina, continuou ela, pediu-me também a minha avó que não a esquecesse nas minhas orações; agora tenho oitenta e cinco anos completos, e não a esqueci nem um só dia”. Isto me disse minha avó.
Se devemos ter em tanta estima a última vontade dos nossos entes queridos, não haveremos de cumprir com mais fidelidade o que Deus deseja e quer? Pois bem, o próprio Salvador está diante de nós; na última ceia reúne ao Seu redor, na pessoa de seus Apóstolos, a cristandade de todos os tempos; Ele, o Senhor, Deus, o Juiz, o Salvador, o grande Benfeitor, mais digno de apreço do que pai e mãe, se dirige a vós: “Filho, se me amas, faze em memória de mim o que acabo de fazer na Ceia.” — E não haveis de o fazer com santo respeito?
Perguntar-me-eis, como e quando posso fazer isso em sua memória? Na Santa Missa. O mesmo que fez Jesus na Última Ceia, isto é, converter o pão e o vinho em seu corpo e seu sangue, todo Sacerdote o faz na Missa. É, portanto, a Missa a lembrança de quem nos é mais caro: Nosso Senhor Jesus Cristo.
A Missa, não é, no entanto, uma lembrança morta. Se tendes no cemitério um morto querido, vós vos comprazeis em pôr no seu túmulo, uma coroa, um ramalhete, uma luz, ou colocais em vosso quarto uma fotografia para que a sua imagem querida vos esteja sempre presente. Mas tudo isto é uma recordação morta. A coroa fenece, a fotografia não fala: permanece muda. A Missa, pelo contrário, é uma lembrança viva do Senhor; é uma comemoração cheia de vida, porque no momento mesmo em que a celebramos, o Senhor se apresenta no meio de nós, embora envolto no manto das espécies de pão e vinho.
Se uma viúva que perdeu na guerra o esposo conhecesse um meio para estar com ele por instantes que fosse, mesmo que não o visse, como estimaria essa feliz ocasião! Por isso os homens visitam com todo carinho os túmulos; aí, ao menos, encontram algo do morto: o seu corpo; sentem-se aí mais chegados a ele. Na Missa é muito diferente: o querido Morto está realmente perto de nós: vive em nosso meio. Ele mesmo diz: “Isto é meu corpo, imolado por vós; isto é o meu sangue”. Temos assim neste venerando memorial mais que um túmulo de morto. Diante de nós estão seu corpo e seu sangue, tais, como foram oferecidos na cruz. A Santa Missa é, desta maneira, lembrança viva de Cristo.
Se vós, cristãos, compreendêsseis o alcance deste pensamento, com que respeito iríeis à Missa aos domingos. A caminho da Igreja, imaginai a cena: o Salvador está na última Ceia com os Apóstolos, e vós entre eles. Cristo vos olha e vos diz: “Se me amais, se quereis ser meu discípulo, fazei isto em memória de mim!”
2. A Missa, Sacrifício da cristandade
A Missa não é tão somente uma lembrança viva de Nosso Senhor Jesus Cristo; é ainda Sacrifício. O que é, então, o Sacrifício? Sacrifício é subtrair do meu uso, para não mais o empregar, um objeto que me pertence, e oferecê-lo a Deus.
É o Antigo Testamento quem nos pode melhor ensinar e indicar o que seja sacrifício. Já as primeiras páginas da Bíblia falam de um Sacrifício; Caim e Abel ofereceram a Deus um sacrifício em ação de graças pelas bênçãos terrestres. Caim ofereceu as primícias de sua messe; Abel, um cordeiro. Ofertaram essas dádivas a Deus, queimando-as. Segregando esses bens do seu domínio, os homens queriam reconhecer a soberania de Deus.
Mas não é ainda esse o sentido mais profundo do Sacrifício. O Sacrifício nasce da consciência do pecado; irrompe do esforço com que o homem tende a expiar sua culpa. Assim chegou o homem a matar um animal e oferecê-lo a Deus. Sabia que devido ao pecado merecera diante de Deus o supremo castigo, a morte; devia, pois, oferecer-se, isto é, sacrificar-se como vítima pelos pecados, porém, não o fez nem o quis fazer. Ocorreu-lhe, então, a ideia de uma satisfação substitutiva: toma um animal vivo e oferece a Deus a vida deste animal.
Eis o que significavam em sua maioria os sacrifícios da Antiga Aliança. Quero dar apenas um exemplo: o bode expiatório. No dia da Expiação, tomavam os judeus, entre outras vítimas, um bode; o Sumo Sacerdote impunha sobre ele as mãos e com isto lhe imputava os pecados de todo o povo. Era então conduzido por um homem ao deserto, e do alto de um rochedo precipitado no abismo. No seu sentido mais profundo, o Sacrifício surge da consciência do pecado e do esforço que o homem faz para oferecer a Deus satisfação e expiação pelo pecado.
Perguntamos então: pode um animal irracional substituir o homem, principalmente se temos em vista o pecado original e todos os pecados pessoais de cada homem? Não. O animal não pode substituir o homem dotado de razão e livre arbítrio. Entre os judeus, o grito de ignorância da humanidade clamava por um perfeito sacrifício de expiação e reconciliação; e este sacrifício realizou-se na plenitude dos tempos: o inocente Cordeiro de Deus, Jesus Cristo, que tira os pecados do mundo. Um animal não podia substituir o homem, mas Deus podia. Ao animal poder-se-ia naturalmente tirar a vida; mas Deus não podia morrer. Por isso, o Filho de Deus assumiu um corpo e uma alma e com eles, a natureza humana. Houve então um sacrifício expiatório capaz de pagar a dívida do pecado. Como homem, pôde Jesus morrer pelos pecados, e como Deus, oferecer satisfação completa. A morte de Cristo na cruz é o verdadeiro e único sacrifício expiatório por todos os pecados dos homens.
Estamos, pois, redimidos pela morte de Cristo? Depois desta morte de cruz alcançam todos os homens, sem colaboração própria, a bem-aventurança dos céus? Não. Devemos apegar-nos à cruz; devemos apropriar-nos do sacrifício da cruz; este será também o nosso sacrifício. O divino Cordeiro sacrifical deve estar em nossas mãos para que o possamos oferecer ao Pai dos céus por nossa redenção. Mas será isto possível? Cristo ter-nos-ia dado um meio de dedicar e oferecer a Deus por nós um tão augusto sacrifício? Sim, Cristo outorgou tal meio à sua Igreja: e esse meio é o Santo Sacrifício da Missa.
Prestai-me toda atenção: o grande sacrifício que Jesus Cristo ofereceu no Gólgota pela humanidade, já fôra por Ele antecipado na última Ceia. Com efeito, Ele dissera: “Isto é o meu corpo imolado por vós; isto é o meu sangue derramado por vós”.
Este mesmo sacrifício oferecido na cruz e antecipado na Ceia, renova-se diante de nós e se torna presente em cada Missa. A Santa Missa é não só uma recordação viva, senão também um sacrifício, a realização perante nós do Sacrifício de Cristo na cruz. Assim podemos exclamar: “Tirai os sapatos, porque santo é o lugar em que vos encontrais”.
Na Santa Missa não fazemos apenas a comemoração da Paixão e Morte de Jesus Cristo; na realidade, estão presentes o próprio corpo e sangue sacrificados; e aí temos verdadeiramente o Gólgota. Cristo se entrega de novo pela morte ao Pai e sob nossos olhos renova, diariamente, o Sacrifício que remiu o mundo.
Compreendemos assim, mais uma vez, que a santa Missa é o único e verdadeiro Sacrifício da cristandade, o mais elevado culto que se ergue da terra. Quando vamos à Missa, subimos o Calvário: Cristo morre por nós na Cruz!
3. A Missa Alimento da alma
O que sabemos até agora da Missa? Duas coisas: que a Missa é lembrança de Jesus e continuação do Sacrifício da Cruz. Observai a gravura; embaixo vedes o Senhor na última Ceia; em cima o vedes na Cruz; mas ainda falta a terceira: a imagem do centro mostra um cesto com pães e dois peixes, e recorda-nos a multiplicação dos pães. Isto vai servir-nos de ponto de partida.
Antes de mais nada, Cristo reúne ao Seu redor discípulos e povo; faz milagres para mostrar aos homens que é verdadeiramente Filho de Deus e prega o reino dos céus. Tudo assim preparado no espaço de quase um ano, Ele vê que chegou o momento de introduzir os seus no reino de Deus: promete-lhes o pão dos céus. Vemos o Senhor no deserto; uma grande multidão o cerca. Ele prega ao povo e cura os enfermos. Cai a noite, e não tendo o povo o que comer, Jesus tomou pão, ergueu os olhos ao céu, pronunciou a bênção, partiu o pão e o entregou a seus discípulos (Mt 14,19), e estes o repartiram entre o povo. Nas mãos do Senhor e dos Apóstolos multiplicou-se o pão de tal maneira, que todos comeram até a saciedade.
No dia seguinte, vemos o Senhor na sinagoga de Cafarnaum, e aí pronuncia perante os seus discípulos e o povo uma alocução de máxima importância. Partindo da misteriosa multiplicação dos pães, prometeu um pão celestial, um pão de vida que dará aos seus. E então, com surpresa geral, diz: “O pão que eu darei é minha carne, a qual darei para a vida do mundo” (Jo 6,52). Os judeus, porém, não compreenderam como seria possível comer a carne e beber o sangue de Jesus. Não obstante, Cristo não retira uma só palavra. Muito pelo contrário, repete a sua promessa em seis profundas frases: “Em verdade, em verdade eu vos digo: se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue fica em mim, e eu nele... Quem come este pão, viverá eternamente”. O que disse o Senhor? Desde o primeiro instante sentimos que nos encontramos em face de algo importantíssimo. O que entende o Senhor por “vida eterna”? A vida da graça, a filiação divina, a participação à vida divina de Cristo, a santidade de seu reino divino. E o que disse Ele dessa vida eterna? Disse que não lhe pertence quem não participa dessa comida e que quem não come esse pão celestial fica excluído da vida eterna. Mas aquele que o come tem a vida eterna e o direito de ressuscitar no dia do juízo final.
O Senhor fala claramente; não quer que as suas palavras sejam mal compreendidas. A seguir, operou-se a cisão dos espíritos: os judeus abandonaram a sinagoga; não conseguiram compreender. E até muitos discípulos se afastaram: “Esta doutrina é dura”. O Senhor não tira um só iota de suas palavras. Volta-se para os doze Apóstolos: “Quereis vós também retirar-vos?”, como quem diz: “Se não podeis crer no que ouvistes, retirai-vos; não poderei servir-me de vós!” Pedro, porém, em nome de seus irmãos disse: “Senhor, a quem iremos? Só Tu tens palavras de vida eterna”. E nós cremos.
O que prometera, pois, o Salvador na sinagoga, na casa de oração dos judeus? Ele quer dar um pão que é sua carne. Este pão contém a vida eterna. Quem não o come, está excluído de Cristo. Mas, perguntamos, quando deu o Salvador esse pão, sua carne e seu sangue, à sua Igreja? Já sabemos: foi na última Ceia, ao dizer: “Tomai e comei, isto é o meu corpo... Bebei, vós todos, isto é o meu sangue!” Cristo cumpriu assim, na última Ceia, a sua promessa. Sabemos, além disso, que a Missa é o desempenho do mandamento de Cristo: “O que fiz [na última Ceia], fazei-o vós em memória de mim”. Assim, podemos dizer: na Missa se verifica e se cumpre o que o Senhor prometeu na sinagoga. Perpassai as palavras ali pronunciadas por Cristo, e após cada frase, dizei: “isto se realiza na Missa”.
Atendamos, caros irmãos, ao terceiro aspecto da santa Missa: é um banquete, e um banquete de grande importância, ao qual se vinculam a vida eterna, a união com Cristo e a ressurreição.
A Missa é ainda um banquete comemorativo. O Salvador disse: “Comei e bebei... Fazei isto em memória de mim”. O banquete, portanto, celebra-se em memória de Jesus Cristo. Estais lembrados ainda de que, antes de instituir a santa Eucaristia, o Senhor comeu o cordeiro pascal? Também aquele era um banquete comemorativo. Anualmente os judeus matavam e comiam o cordeiro para recordar a libertação do cativeiro no Egito. É coisa sabida que o cordeiro pascal prefigurava a morte de Cristo. São Paulo, cheio de entusiasmo exclamou: “Jesus Cristo, que é o nosso cordeiro pascal, já foi imolado” (1Cor 5,7). Logo, a Missa é um banquete comemorativo.
A Missa é finalmente um banquete sacrifical, pois nele comemos e bebemos a carne e o sangue do Senhor, aquela carne que Ele ofereceu na morte, aquele sangue que na sua morte foi derramado até a última gota.
A Missa é, pois, um banquete, banquete comemorativo e sacrifical. Oh, cristãos! É a Missa o que possuímos de mais elevado e sublime na terra.