Capítulo 1
O matrimônio de Saint-Exupéry... e a liberdade com raízes
Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), aviador francês, ficou para a história por ser o autor de O pequeno príncipe. Casou-se em 1931 com a jovem viúva Consuelo Sucin. Guardamos as cartas íntimas de Antoine, e as Memórias da Rosa que Consuelo escreveu em 1946, dois anos após a morte de Antoine, nas quais releva muitos detalhes da difícil relação que tiveram. Ambos eram não apenas amantes da liberdade, como também um pouco libertários. Os sérios problemas causados pelo comportamento de Antoine — ausências justificadas pelo trabalho e fugas com admiradoras e amantes — obrigaram Consuelo a consultar um psiquiatra. E acabam se apaixonando... e Antoine se arrepende. O pequeno príncipe é uma carta de arrependimento a sua amada rosa. Eles aprenderam com as suas vidas como, no amor, é livre quem entrega a sua liberdade.
Consuelo era muito bela, magra, de baixa estatura, com grandes e cativantes olhos negros. Seu primeiro matrimônio fora breve. Sua precoce viuvez — tinha apenas vinte e seis anos quando morreu seu primeiro marido, Enrique Gómez Carrillo — não diminuiu
sua vontade de viver.
Logo voltou do altar nos braços de outro homem, um francês e aviador. Quem poderia dizer a essa jovem salvadorenha que de seu segundo matrimônio nasceria uma personagem tão peculiar como O pequeno príncipe! Mas assim foi!
Consuelo estava regando as plantas na varanda.
— Desculpe-me interrompê-la — disse Pipa, chamando-a do portão. Consuelo fechou a torneira. Caminhava com graça, quase dançando. — Boa tarde, senhora! Vim para entrevistar você e o seu marido. Estou pesquisando sobre o matrimônio... e o primeiro casal que pensei em entrevistar foram vocês.
— Antoine saiu. Quando? Para onde? Não sei de nada. As saídas e entradas do meu marido é um assunto complicado — respondeu com voz melodiosa e encantadora. — Ser a mulher de um artista, de um grande criador, é um sacerdócio... não pense que é fácil viver
assim, sempre esperando.
— Enquanto ele não chega, você se importa se nós duas conversássemos? — disse em seguida Pipa, aproveitando a sua amabilidade.
A casa era muito bonita. Consuelo conduziu-a por dentro. Ao entrar no enorme pátio interior, Pipa pensou que sonhava:
— Que maravilha! Nunca tinha visto tantas rosas juntas — exclamou, enquanto era olhada por dezenas, centenas e até mesmo milhares de rosas de diferentes tamanhos, que formavam um grande círculo. Seu espanto tornou-se uma pergunta:
— E... por que você tem tantas rosas?
— Porque elas me lembram de quem eu sou — respondeu, tossindo.
— As rosas lembram você? Elas também falam? — Pipa continuou perguntando.
— Com meu marido, aprendi a escutá-las...
— E do que as rosas a lembram?
— Gosto de me ver rodeadas de rosas e saber que “a única rosa sou eu” — explicou, segura de si mesma.
Pipa continuava impressionada. Chamou-lhe a atenção um desenho que ficava no centro daquele pátio. Tinha o inconfundível estilo das ilustrações de O pequeno príncipe.
Consuelo percebeu o interesse de Pipa. Adiantou-se:
— Tônio fez este desenho. É o nosso retrato: um palhaço com uma flor na mão, um palhaço desajeitado que não sabe o que fazer com sua flor... Mais tarde, soube que a flor era eu. Mas vamos ao que interessa. O que você quer saber?
— Algo sobre o matrimônio — respondeu Pipa.
— Caramba! Algo sobre o matrimônio! Explicarei com uma metáfora que ouvi de Tônio. O matrimônio é como duas bucólicas árvores num bosque. Os mesmos ventos agitam os dois, ambos recebem juntos a luz do sol e da lua, e os pássaros ao entardecer. Por toda a vida.
— Gostei dessa metáfora. Mas quero começar pelo princípio. E o primeiro ponto é saber se algo é bom ou ruim. Quero saber apenas isto: é bom ou ruim se casar? Ou melhor: o matrimônio é um bem, algo absolutamente bom? Ou é uma situação negativa que se aceita por causa das vantagens que oferece...?
— Oh! Como gosto das perguntas interessantes! Creio que já respondi por meio da metáfora da árvore. Mas, de todo modo, essa pergunta indica algo faz você suspeitar de que o matrimônio não seja bom. Agora, pergunto eu: por que me fez essa pergunta? — disse, vivaz e divertida.
— Porque se o casamento tira a liberdade, se é uma amarra que nunca mais permitirá alguém dispor-se de si mesmo, se se trata de um vínculo que escraviza... não tenho certeza de que seja positivo viver assim — expôs Pipa com dificuldade, querendo fazer eco ao pensamento comum.
— Os vínculos não escravizam — afirmou Consuelo com satisfação.
— Os vínculos não escravizam — repetiu Pipa, querendo imitar o jeito do pequeno príncipe.
— É como eu disse: o homem se parece mais com uma árvore do que com um pássaro. “Estás em mim como a vegetação está sobre a terra”, escreveu-me Tônio.3 Quanto mais profunda for a raiz de uma árvore, maior a sua liberdade de movimento.