Eu cresci acreditando que eu apenas seria “amável” caso me comportasse. Eu tinha que ser um “bom garoto” para ser digno do amor de Deus ou de qualquer outra pessoa. Seja perfeito (leia-se: seja um “santo”), e então você será amado. Tal era a impressão que minha criação falsamente piedosa me havia deixado.
Após contar minha história em conferências ao redor do mundo, percebi que eu não sou o único a me recuperar do perfeccionismo – uma impressão tristemente comum, mas tragicamente desorientada, do que é ser um católico. Há muita coisa errada com essa perspectiva, e não menos no que se refere ao significado do que é ser santo. Santos não são pessoas perfeitas. Eles são pessoas que sabem que são perfeitamente amados em todas as suas imperfeições. Eles
permanecem nesse amor, e ele os cumula daquela alegria contagiante do Evangelho. “Permanecei no meu amor”, diz Jesus, “para que minha alegria esteja em vós, e para que vossa alegria seja completa” (Jo 15,9-11).
A irresistível promessa da alegria, da saciedade da fome de amor do nosso coração: não é isso que todos procuramos? Não é por isso que fazemos coisas loucas, como, por exemplo... casar?
A Wendy e eu éramos só alegria quando selamos nosso compromisso. Para falar a verdade, no mesmo dia do nosso casamento, 18 de novembro de 1995, nós mandamos um joalheiro gravar uma versão pessoal nossa da promessa de Cristo, no lado interno de nossas alianças. Mesmo com os arranhões e os desgastes, ela ainda está legível: na minha, lê-se
tua alegria e na dela,
nossa alegria completa.
Como todos os casais jovens, quando iniciamos nossa vida de casados, a Wendy e eu tínhamos uma compreensão ingênua acerca da alegria que o amor trazia. A alegria, explica o Papa Francisco, corresponde a “uma dilatação do coração” e “precisa ser cultivada”. Paradoxalmente, isso ocorre em meio ao sofrimento. O cultivo da verdadeira alegria “implica aceitar que o matrimônio é uma combinação necessária de alegrias e fadigas, de tensões e repouso, de sofrimentos e libertações, de satisfações e buscas, de aborrecimentos e prazeres, sempre no caminho da amizade que impele os esposos a cuidarem um do outro” (
Amoris Laetitia, 126). Como atestado por incontáveis casais, é esse cuidado mútuo a longo prazo que faz lentamente nascer a profunda e persistente alegria do amor.
Após ter me desiludido e ter sido profundamente ferido pelo modo como a cultura secular lida com o amor e a sexualidade, eu passei boa parte do início da minha vida adulta mergulhado na doutrina católica sobre o homem e a mulher, particularmente, na Teologia do Corpo de São João Paulo II, e terminei meus estudos de pós-graduação no Instituto Pontifício para Estudos em Família e Casamento na condição de recém-casado. Eu estava cheio de conhecimento livresco sobre o plano divino para o amor humano, mas o caminho da cabeça para o coração estava prestes a se mostrar longo e pedregoso.
Bem na época em que completamos um ano de casamento, alguém veio nos perguntar como estava indo a vida de casados. Olhei sorrindo para a Wendy e disse, em tom triunfante: “Sabe, um monte de gente diz que o primeiro ano de casamento pode ser muito difícil, mas tem sido fácil para nós”. Alguns anos mais tarde, minha esposa me diria, “E foi aí que eu percebi que você não tinha a menor ideia do que estava fazendo”. Meu Deus! Essa desorientação ainda iria durar mais uns nove anos.
Não é que eu fosse insensível às várias tensões. Nós tínhamos nossos altos e baixos, como qualquer casal. Mas, no geral, os primeiros dez anos de casamento pareceram fantásticos, para mim. Eu tinha uma vida maravilhosa e filhos sensacionais; eu recebia elogios ao redor do mundo pelo meu trabalho como escritor e conferencista de sucesso, e no nosso décimo ano de casamento, recebi uma proposta altamente lucrativa para escrever um livro, pela maior editora do mundo. Eu achava que finalmente havia chegado a um porto seguro. Bom, ao menos era essa a impressão. Mas eu mal podia imaginar que meu barco estava prestes a zarpar, e que em breve iria se deparar com algumas grandes tormentas. Como eu viria a descobrir, em meio a várias dolorosas provações, eu vinha me encobrindo sob uma pá de disfarces, e vinha buscando satisfazer, com meu casamento, uma sede infinita de amor que apenas O Infinito é capaz de satisfazer.
“Cada matrimônio é uma ‘história de salvação’”, observa o Papa Francisco, “o que supõe partir duma fragilidade que, graças ao dom de Deus e a uma resposta criativa e generosa, pouco a pouco vai dando lugar a uma realidade cada vez mais sólida e preciosa” (
Amoris Laetitia, 221). As reflexões que eu proponho aqui proporcionam um vislumbre sobre vários capítulos dessa história de salvação ainda em andamento. Nelas, eu divido com o leitor algumas histórias pessoais do meu próprio casamento e da minha vida – não para chamar a atenção para mim mesmo, mas na esperança de convidar meus leitores a lançarem um olhar mais atento sobre suas vidas e relacionamentos e, ao fazê-lo, estarem mais abertos à misericórdia de Deus.
Uma pessoa que leu de antemão o manuscrito me disse que ele achava que algumas de minhas reflexões poderiam ser resumidas da seguinte maneira: “Minha vida é uma bagunça e minha esposa é uma santa”. De fato, é verdade que eu sou bem mais franco ao expor as minhas próprias falhas. Não me sinto à vontade em expor as dos outros (quando o faço, é com a permissão da minha esposa).
A ideia deste livro veio de um padre, amigo meu. Ele e eu vínhamos confidenciando um ao outro o quanto admirávamos aquilo que o Papa Francisco denominou “o coração” da sua exortação
Amoris Laetitia: suas meditações profundas sobre o famoso hino ao amor, de São Paulo, no capítulo 13 da primeira epístola aos Coríntios. “Essa parte da exortação daria um ótimo exame de consciência”, disse ele, de passagem. Adivinhem qual foi a penitência que ele me impôs, após a confissão?
Como vocês irão notar, cada capítulo é baseado em um trecho do magnífico hino de São Paulo ao amor. As citações em negrito vêm diretamente da exortação do Papa Francisco,
Amoris Laetitia[1]; os meus episódios e considerações pessoais vêm logo a seguir, para esclarecer suas lições. As questões para reflexão ao final de cada capítulo têm o propósito de ajudá-los a descortinar lugares possivelmente escondidos na história de vida de vocês à luz reparadora de Deus. Fazer um diário é uma maneira excelente de “descarregar o vosso coração” perante o Senhor (Sl 62), então, considere a ideia de ter à mão um caderno para que você possa anotar suas reflexões.
Embora muitas das lições que eu aprendi derivem da minha experiência como homem casado, estas reflexões não se dirigem somente a gente casada. Independentemente do estado de vida, cada um de nós está sempre engajado numa série de relacionamentos pessoais, cada um dos quais pode ser beneficiado por uma imersão mais profunda no hino de São Paulo ao amor.
O único propósito nisto tudo é que você, leitor, possa obter uma experiência mais rica e mais profunda do amor incondicional e infinitamente misericordioso de Deus
por você. Apenas na medida em que tivermos recebido deste amor, é que nos fazemos capazes de comunicá-lo aos demais. De fato, tudo que o Papa Francisco ensina sobre demonstrar amor aos outros, como ele diz, “pressupõe a experiência de sermos (…) envolvidos por um amor prévio a qualquer obra nossa (…). Se aceitamos que o amor de Deus é incondicional (…), então poderemos amar [os outros] sem limites (...)” (
Amoris Laetitia, 108).
Isto, creio eu, leva-nos ao verdadeiro âmago daquilo que o Papa Francisco é, do que ele crê, e daquilo que ele está incansavelmente tentando transmitir à Igreja e ao mundo: o amor incondicional de Deus é o fundamento de absolutamente
tudo que a Igreja é e, portanto, o dom fundamental da Igreja para o mundo. Se nós somos defensores da doutrina da Igreja, proclamando seus ensinamentos desde os telhados, mas não temos amor, somos como um gongo ribombante, ou um prato estridente. E mesmo que compreendamos todos os mistérios de Deus, que saibamos tudo que haja para saber no mundo, e que tenhamos fé a ponto de mover as montanhas, mas não temos amor, não somos nada. E mesmo que abramos mão de tudo que temos e dêmos a nossa própria vida em sacrifício: se não temos amor, nada nos serve.
"O amor é paciente, é bondoso;
não é invejoso, não é vaidoso;
não é arrogante, nem é rude.
O amor não busca o seu próprio interesse,
não se irrita, nem guarda ressentimento;
não se alegra com a injustiça.
mas se rejubila na verdade.
Tudo desculpa,
tudo crê,
tudo espera,
tudo suporta.”
(1Cor 13, 4-7)