Introdução
Uma profunda amizade
“Eu me chamo Chiara, tenho 25 anos, casei-me com Enrico há um ano e poucos meses. Esta noite, vou contar a história de nossa filha, Maria Grazia Letizia, que nasceu em 10 de junho deste ano.”
É o dia 19 de novembro de 2009. Chiara dá seu testemunho na igreja de Santa Francisca Romana no Ardeatino, em Roma. Suas palavras daquela noite abrem brechas nos corações de muitos. Uma história exemplar narrada de maneira simples, com a naturalidade mais comum. Não é possível deixar de entendê-la. Assim como não se pode deturpar a verdade que, segundo diz Chiara, “Deus põe dentro de cada um de nós”.
Chiara e Enrico haviam decidido levar adiante a gravidez de uma menina anencéfala. A menina nascera, fora batizada e, após apenas meia hora, subira para o Pai. Agora, cinco meses depois de um funeral em que Chiara tinha tocado o violino e Enrico cantara suas canções, eles estavam ali para contar a misteriosa alegria que os havia acompanhado.
Apenas três anos depois, muitos daqueles que tinham conhecido Chiara através desse testemunho, participaram do funeral dela. E era realmente algo de especial sentir-se participante daquilo. Na ocasião, Padre Vito, o diretor espiritual dos Petrillo, convidou a interrogar-se a respeito dessa família que, nesse meio tempo, acolhera outro menino, igualmente morto após o nascimento, e vivera com confiança e paz a doença de Chiara simultaneamente à sua terceira gravidez.
Quem queria conhecer a história de Chiara e Enrico teria encontrado, entre parentes e amigos, testemunhas dessa vida extraordinária, dispostos a contar como as coisas tinham acontecido.
Aqui estamos. Nós estamos entre as testemunhas. Por incrível que pareça. Nós nos encontramos com eles em cada passagem.
Este livro nasce graças às solicitações de quem se aproximou de Chiara, mesmo apenas por tê-la ouvido falar. Por um dom de Deus, nós vivenciamos com eles este caminho de graça, de maravilhas belas como um arco-íris após um forte temporal. E elas foram semelhantes a aguaceiros.
Quem é Chiara? Por que tanto interesse em torno dela? O que ela fez? À primeira vista, sua história é o drama da mamãe que morre de um tumor, deixando sozinhos seu marido e seu filho. Talvez uma história semelhante a tantas outras. Mas nesta existe alguma coisa diferente. Tudo foi vivido na alegria e tornou-se vida para os outros.
Como uma criança que acompanha o aroma do bolo que acaba de sair do forno, muitos seguiram o perfume desses dois esposos que reconhecem no sofrimento a sua dança, que sorriem ao enfrentar as mais duras provações e descobrem uma felicidade à qual, na realidade, todos somos chamados. Um perfume inebriante, perturbador, que te atinge pelas costas, mesmo que de início o tenhas combatido, com medo.
O quê ou quem levou Chiara a morrer assim? Nós escutamos alguém que a amou com um amor único, mais forte que qualquer tempestade. Passamos pela memória todos aqueles momentos que o Senhor nos permitiu compartilhar. É que esta história contém uma mensagem. É um anúncio sólido e digno de fé de alguma coisa que aconteceu há dois mil anos e continua a acontecer a cada dia atualmente. “Àqueles que o acolheram, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus.”
Uma pessoa morre como viveu. Chiara morreu de maneira incrível, sorrindo diante da morte. Muito mais que serena: feliz. Estar junto dela foi ter visto viver e morrer um filho de Deus.
Existe uma foto de Chiara e Enrico em que, de costas, eles se afastam abraçados. Nós a tiramos em 4 de abril de 2012, menos de uma hora após o veredito dos médicos. Estávamos sobre uma das pontes que dão para a Ilha Tiberina e o Fatebenefratelli, o hospital romano que Chiara e Enrico deixavam pela enésima vez desse mesmo modo, abraçados. Como sempre, sem o saber, tínhamos chegado ao hospital no momento exato.
Enquanto caminhávamos atrás deles, com Francesco no carrinho de bebê, a certo ponto Chiara e Enrico se voltaram e, fazendo o gesto de quem tem um revólver, fingiram disparar sobre Francesco, dizendo “bum bum” a cada tiro. Francesco, que ria e se divertia, teria completado um ano dois meses depois. Nós os acompanhamos até o carro, estacionado à margem do Tibre, e ali nos abraçamos entre lágrimas. Chiara não perdeu nem mesmo aquela ocasião para amar.
Em Assis, nascera com eles uma amizade simples e profunda. Já nos conhecíamos antes, mas à sombra da Porciúncula nos tornamos irmãos. Foi bom caminharmos juntos. Casamo-nos com poucas semanas de diferença, e desde então não nos separamos. Falávamos de tudo: das coisas mais comuns, como o peito de frango com laranja ou as plantas do jardim, até as muito maiores, como o Paraíso e a morte. Compartilhamos o cotidiano de recém-casados, conhecemos os seus dois primeiros bebês, suas alegrias e dificuldades como pais. Quando chegou a doença, logo depois do anúncio de Francesco, vimos com nossos próprios olhos que, verdadeiramente, a vida vence a morte. Passávamos dias inteiros a falar, a nos fazer importantes perguntas, a esperar juntos. Caminhávamos unidos na mesma corda, cada um pronto a puxar quando o outro se cansava.
Fomos espectadores e protagonistas de cada acontecimento na história deles. Com Chiara, muitas vezes, perguntávamos pelo porquê. Talvez o descubramos só ao morrer, quando o amor nos explicará todas as coisas.
Junto deles, não se sentia nenhuma dificuldade em crer na vida eterna. Parecia-te tocá-la, perceber que já estavas mergulhado nela. Um dos maiores dons que eles nos fizeram foi mostrar-nos que só temos o dia de hoje. E neste presente se pode ser feliz muito mais do que se ousa imaginar. É nas coisas ordinárias que pode intervir o extraordinário de Deus. E eles aprenderam de modo admirável a abrir espaço para a graça, que não vê a hora de mostrar-te as maravilhas de que ela é capaz.
O engano está em pensar que seja um privilégio reservado aos Petrillo, em acreditar que eles fossem “especiais”. Ao contrário, Deus é Pai de todos da mesma maneira. Muitas vezes, contemplando-os, pensamos que se Deus ajuda desse modo, também nós podemos carregar a nossa cruz.
O matrimônio deles foi a estrutura de tudo. Neste sacramento a graça se multiplicava. Diante de nossos olhos, transformavam-se num altar. Vimo-los, pouco a pouco, a devolverem tudo: Maria Grazia Letizia e Davide Giovanni, o pequenino Francesco, os seus projetos de jovem casal. Mas sobretudo o seu amor, a parte mais difícil. Não nos lembramos de um dia sequer de desespero. Antes, a alegria deles crescia. Reconheciam tudo como um dom, e eram tão sábios a ponto de entenderem que esta terra não é a nossa pátria, e nós não somos o ponto de chegada. Enquanto isso, também se mudava o nosso próprio paladar: “Aquilo que me parecia amargo foi-me mudado em doçura de alma e de corpo”. (VV. AA. Fontes Franciscanas, Pádua, Ed. Franciscanas, 110, p. 99.)
O corpo é feito para amar, esta é a sua finalidade. É através do corpo que o mal, a frustração e a dor atingem em nossa história e em nossas jornadas. Mas a boa notícia é que exatamente através de outro Corpo chegarão o consolo e a salvação. Chiara e Enrico no-lo demonstraram com sua história; eles viveram o matrimônio como um caminho seguro para a santidade, como uma vocação plena.
Se por milagre se entende uma cura física, então este livro não contém milagres. Nenhuma cura.
O milagre que contamos é diferente. Uma alegria que nos desarma, simples e genuína. Um tesouro a ser descoberto. A perfeita alegria de Francisco de Assis (ó misteriosa alegria! – como diria Enrico) que muda o mal em bem, que te dilata o coração e os horizontes.
Descobrir-nos amados é o centro de toda a nossa existência. Somente cheios desse amor total e louco nós podemos crescer e amar por nossa vez. Existe uma progressão gradual em nossos caminhos, sinal de infinita ternura por parte de Deus.
O Senhor tinha adota uma pedagogia também para estes nossos amigos, um caminho de maturação no amor. Acompanhar Maria Grazia Letizia em seu nascimento para o Céu era apenas o primeiros dos “pequenos passos possíveis” de que falava Chiara.
– Os pequenos passos possíveis – diz Enrico – são todos aqueles da nossa história. O fato de acompanhar primeiro um filho para a eternidade, depois outro, depois ficar grávida do filho finalmente sadio, belíssimo; descobrir que Chiara tem um tumor; descobrir que é preciso esperar...
Depois, os tratamentos, as terapias. No entanto, apesar de tudo isso, os semblantes deles permaneceram sempre solares, serenos, sorridentes. Com um sorriso autêntico, sempre. Vistas de fora, todas estas provações assustam. Chega-se a pensar que jamais poderemos enfrentar coisas semelhantes. Mas a cada passo somos acompanhados por uma graça necessária.
Chiara ficava com muita raiva quando lhe atribuíam algum dom especial ou uma coragem exclusiva dela que lhe permitia fazer frente a semelhantes desafios. Com frequência ela nos dizia que, por natureza, era medrosa. Contava sorrindo que, na escola, jamais conseguira apresentar-se como voluntária para uma arguição, mesmo estando preparada, por causa do seu grande medo. E sempre insistia que se ela podia fazê-lo, qualquer um seria capaz de fazer. O esforço é para dar espaço à confiança, a crer de verdade que Deus é bom e só tem maravilhas em mente.
“O olhar – escreveu João Paulo II – expressa o que está no coração. É o limiar da verdade interior.” (Audiência geral de 10/09/1980.) Quem cruzou o olhar com Chiara sabe que ela não mentia, que existia realmente uma esperança, e que tal esperança é válida para todos. Também por isso a gente se sentia bem junto deles.
Chiara não apenas sabia escutar, mas levava em extrema consideração as opiniões e os conselhos dos outros. Um traço que a caracterizava era exatamente o serviço, o não se poupar nas pequenas coisas que lhe permitiam manifestar a gratuidade também nas coisas maiores.
Chiara aceitou livremente a sua pobreza, sua dependência. Você é alguém quando pertence a alguém. Saber que você é de Jesus, que depende dele, permitia a Chiara ser o que ela era, renunciar a entender, preferindo ter palavras de bênção para Deus e para quem estava ao lado dela. Dar-se era a única e verdadeira possibilidade. E é exatamente isto que Chiara fez a partir de certo ponto. Ela verdadeiramente abraçou a sua cruz, “porque [Deus] é o sumo Bem que dá valor a tudo o que existe”, e é “plenitude daquela alegria que não se desvanece, mesmo quando é banhada de lágrimas”. (Canopi, Anna Maria, 2013. La riflessione. Solo l’umile encontra Dio. “Credere, La gioia dela fede”, 3, p. 45.)
Talvez a história de Chiara seja chamada exatamente para isto, para mostrar a beleza do matrimônio que, com suas exigências e seus dons e dificuldades, é realmente um caminho que santifica. De fato, os esposos revelam ao mundo como Deus ama.
“Nós não nos sentimos realmente corajosos” – comentou Chiara certa vez –, “porque na realidade a única que coisa que fizemos foi dizer ‘sim’, passo a passo”. Esta frase é um pequeno tesouro. Contém tudo aquilo que é preciso saber.
Assim, a oração e a fraternidade foram fundamentais, porque eles diziam que, sem a oração, nada teriam podido fazer. E porque muitíssimas pessoas, não só os mais próximos, rezaram por eles de todo o mundo. Passo a passo, juntaram-se novos companheiros de viagem. Cada um deles chegando no momento certo, cada um deles sinal daquela Providência que foi a valiosa assistente de toda esta maravilha. Eles os sustentaram e, nas fases mais difíceis, eram aquela pequena chama que iluminava a escuridão. Junto do nosso testemunho, estão também os dos familiares, amigos e médicos que percorreram esta estrada toda ou em parte.
Nestes anos, nós vimos como a história de Chiara se difundiu de maneira inesperada. Entrou pelas casas, nos hospitais, em muitas outras histórias. Para narrar os efeitos dela, seria preciso um livro inteiro. Logo de pois de sua morte, em seguida, o interesse subiu até as estrelas (em todos os sentidos), deixando-nos estupefatos e agradecidos.
– Toda esta luz – disse Enrico – está se espalhando sem que eu nada faça. O Cardeal Vallini me chamou e disse-me, pela manhã, que viria ao funeral de Chiara... ficamos sempre maravilhados com tanto amor que nos envolveu.
Em resumo, por que um livro? Porque muitos desejam conhecer Chiara. Compreender como ela fez para viver (e morrer) assim. Muitos sabem apenas que se trata de uma jovem mulher morta depois de ter adiado o tratamento para deixar nascer o seu filho, mas há muito mais que isto. Por trás de tudo, existe um matrimônio belíssimo, vivido em plenitude e na alegria. Um amor a tal ponto verdadeiro, que os levou juntos para a cruz. Aquilo que vimos, nós o contamos.
A beleza salvará o mundo, escreveu Dostoiévski. Sim, mas qual beleza? A beleza de um rosto feliz no sofrimento. A da face de Jesus. Uma beleza que também Chiara nos mostrou.