Prefácio do tradutor
O melhor elogio da obra Máximas Eternas está resumido no seu próprio título. Por maiores que se afigurem a nossos olhos as coisas que passam velozes na sucessão dos tempos são sempre pequenas; porque o seu termo se acha separado do seu começo por um breve intervalo. Sobem de grandeza à proporção que se aproximam da eternidade. Neste mundo em que vivemos as coisas que nos cercam de todos os lados e mais solicitam a nossa atenção são de sua natureza pequenas; as grandes são as eternas para as quais deve convergir a nossa atividade. Dentre as verdades eternas pois que se impõem à nossa consideração importa-nos ter sempre vivas na lembrança as maiores as máximas que são normas gerais de boa conduta e não se podem esquecer impunemente. É o homem naturalmente propenso a divagar pelas coisas exteriores que de contínuo se lhe oferecem aos sentidos e só a custo se recolhe dentro de si mesmo para pensar no que mais lhe interessa. O livro das Máximas Eternas tende a remediar esta fraqueza humana: é um livro para ambos os sexos para novos e velhos para todos os estados e condições. Impregnada de sensualismo como infelizmente está a sociedade atual reclama este antídoto.
13 de junho de 1928
1ª Consideração
Retrato de um homem pouco depois da sua morte
És pó e ao pó retornarás. (Gn 319)
I
Um momento depois da morte
Considera ó homem que foste formado de terra e à terra hás de voltar. Dia virá em que hás de morrer ser lançado numa sepultura entregue à corrupção e aos vermes que te cobrirão tornando-se o teu único vestido conforme a expressão de Isaías (1411): os vermes são a tua coberta. Tal é a sorte reservada a todo e qualquer homem quer nobre quer plebeu príncipe ou vassalo. Saída do corpo com o último sopro a alma irá para a sua eternidade e o corpo se demudará em pó: hás de tirar-lhes o espírito que os anima; deixarão de viver e voltarão a ser pó (Sl 10329).
Representa diante dos teus olhos uma pessoa que acaba de morrer. Considera esse cadáver ainda estendido no seu leito; vê essa cabeça inclinada sobre o peito esses cabelos em desalinho e ainda banhados do suor da morte; os olhos afundados as faces cavadas o rosto lívido a língua e os lábios quase negros; todo o corpo inerte e frio. Sentem-se arrepios em presença deste quadro. Quantos ao verem um parente ou um amigo defunto mudaram de vida e renunciaram ao mundo!
Sobe de ponto o horror quando o cadáver entra em decomposição. Ainda não decorreram vinte e quatro horas sobre a morte desse jovem e já a infecção se faz sentir. É necessário abrir as janelas e empregar desinfetantes. Apressa-se a saída para a igreja e o enterramento com receio que empeste toda a casa. Se esse corpo é de um nobre ou de um rico “o cheiro que exala será ainda mais insuportável” nota Santo Ambrósio.
Eis pois em que veio parar esse orgulhoso e libertino! Acolhido e estimado ainda há pouco nas reuniões agora só inspira repulsa e horror a quantos o veem. Os próprios pais procuram afastá-lo de casa quanto antes: é encerrado num caixão e levado para a sepultura. Ainda há pouco talvez era admirado pelo seu espírito pela sua delicadeza pelas suas belas maneiras pelos seus ditos jocosos; veio a morte e lançou sobre ele o esquecimento: pereceu a sua lembrança com o seu renome (Sl 97).
Ao correr a notícia da sua morte divergem as opiniões: dizem uns que ele era geralmente estimado; ajuntam outros que deixara a sua casa em bom estado. Estes lamentam a sua falta porque perderam um benfeitor; aqueles folgam porque a morte dele os fez melhorar de situação. Em breve deixará de ser objeto de conversas. Os próprios parentes a partir do dia da morte não quererão que se lhes fale nele; seria avivar-lhes as feridas. Nas visitas de pêsames fala-se de outras coisas. Se um ou outro deixa escapar alguma palavra sobre o defunto logo se lhe atalha: fazei-me um favor não pronuncieis mais o seu nome na minha presença.
Considerai agora que isso mesmo que tendes praticado na morte dos vossos parentes e amigos outros o praticarão quando vós morrerdes. Os que vos sobrevivem entram em cena para representarem o seu papel e gozarem os bens e os lugares que os mortos lhe deixaram. Destes não se importam; lançam-nos ao esquecimento. Nos primeiros tempos ainda os vossos parentes lamentarão a vossa morte; mas isso será apenas por alguns dias. Recebida a herança que lhes couber em breve se resignarão e até se darão por satisfeitos. Naquele mesmo quarto em que destes a alma a Deus em que Jesus Cristo proferiu a vossa sentença aí se dançará se comerá se folgará e rirá como antes. E nesse momento onde estará a vossa alma?
Afetos e súplicas
Ó Jesus meu Redentor bendito sejais por não me terdes mandado a morte quando eu estava fora da vossa graça. Há quantos anos já merecia eu estar mergulhado no inferno! Se tivesse morrido em tal dia em tal noite que seria de mim por toda a eternidade?
Mais uma vez Senhor sede bendito! Aceito a morte em expiação dos meus pecados e aceito-a com todas as circunstâncias que vos aprouver ordenar; mas visto que me tendes esperado até esta hora dignai-vos esperar-me mais um pouco: dai-me alguns dias para chorar a minha desgraça (Jó 1020). Deixai-me tempo para lavar com as minhas lágrimas as ofensas que vos tenho feito antes que venhais para me julgar.
Não quero fechar mais os meus ouvidos à vossa voz. Quem sabe se as linhas que estou lendo são o último aviso com que me favoreceis? Confesso que nenhuma misericórdia mereço: tantas vezes me tendes perdoado e eu ingrato sempre tenho recaído nas minhas faltas. É a palavra do vosso profeta que me reanima: jamais desprezareis ó meu Deus um coração contrito e humilhado (Sl 5019). E visto que assim é eis a vossos pés sinceramente arrependido o miserável que vos traiu. Por piedade não me rejeiteis da vossa face (Sl 5013). Vós mesmos prometestes: não repelirei quem vier a mim (Jó 637). É verdade que mais que ninguém vos tenho ofendido porque mais que ninguém tenho sido ajudado com as vossas luzes e graças; mas o sangue que por mim derramastes dá-me coragem e faz-me esperar que me perdoareis contanto que me arrependa. Sim bem supremo do íntimo do coração me arrependo de vos haver desprezado.
Perdoai-me pois e concedei-me a graça de vos amar de futuro. Muito longe têm ido as minhas ofensas. No resto da minha vida não quero ó meu Jesus não quero mais ofender-vos. Quero dar-me inteiramente a chorar os desgostos que vos tenho causado ó Deus digno de um amor infinito e a amar-vos de todo o meu coração.
Ó Maria minha esperança rogai a Jesus por mim.
(...)