Introdução
Se alguém me perguntasse quem é Irmã Francisca Teresa, eu não saberia responder. Pensando bem, eu diria que é o nome de batismo de Santa Teresa do Menino Jesus — e responderia bem. Mas provavelmente não saberia dizer que é o nome religioso que Leônia Martin recebeu quando entrou nas Irmãs Visitandinas, no dia 30 de junho de 1899.
Mas se alguém me perguntar quem é Leônia, responderia imediatamente que é a irmã de Santa Teresa do Menino Jesus, a irmã que, depois de várias tentativas, conseguiu ficar nas Visitandinas, cujo processo de canonização está em curso e cuja santidade esperamos ser reconhecida em breve.
É algo fora de discussão que a família Martin é importante na história, pela santidade — que, como luz, resplandece na Igreja, no Carmelo e no mundo — de Santa Teresa do Menino Jesus, definida como a maior santa dos tempos modernos (creio que até hoje ninguém conseguiu roubar-lhe esse título), que foi declarada padroeira das missões e mais jovem Doutora da Igreja e que no Céu se “diverte” em fazer cair uma chuva de rosas e bênçãos. Seus pais, Luís e Zélia, foram canonizados pelo Papa Francisco em 18 de outubro de 2018, durante o Sínodo sobre a Família. São apresentados como modelo para os esposos e as famílias, pequenas igrejas domésticas, que devem ser escola de fé, de oração e um jardim de santidade.
Agora é Leônia que caminha com passos rápidos para que sua santidade seja reconhecida pela Igreja. Penso que as outras irmãs Martin foram pessoas excepcionais, entusiasmadas, que viveram à sombra da santidade de Teresa, mas não conseguiram chegar a viver a vida de maneira heroica, como aconteceu com Teresa e Leônia. Sei que, nesse ponto, meu juízo pode parecer severo, mas é o que sinto.
Conta-se que um dia um cardeal, visitando o mosteiro das visitandinas e saudando Leônia, disse-lhe: “Sois a irmã de Santa Teresa?” Com humor, Irmã Francisca Teresa respondeu: “Sim. Eminência, mas isso não me serve em nada para ser santa”. É um humor fino e consciente da verdade. A santidade é algo pessoal, uma abertura total ao Espírito Santo, uma cooperação total ao mistério de Deus e uma aceitação sem reservas de Sua vontade.
Ultimamente, a família Martin tem suscitado muito interesse, não somente entre os membros da grande família do Carmelo, mas também entre estudiosos e escritores, tanto profanos quanto religiosos. Devemos agradecer muito ao Padre Stéphane Piat, franciscano, por ter escrito vários livros sobre a família Martin. Sobre o assunto, é fundamental a sua obra História de uma família, além deste livro sobre Leônia. Com uma delicadeza impressionante, ele nos toma pela mão e nos faz conhecer, com estilo ágil e fácil, a vida dessa “menina difícil”, de caráter instável, mas que, com a graça de Deus, soube fixar seu olhar em Jesus e fazer todo o possível para ser agradável a Ele.
As superioras visitandinas diziam dela: “Não é muito inteligente, mas tem o bom senso próprio da Normandia”. Será esse bom senso que fará dela uma monja humilde, corajosa, que não tem vergonha de reconhecer os defeitos do seu caráter e, ao mesmo tempo, pedir perdão e recomeçar o caminho.
Os três livros de Leônia
Se nos aproximamos de Leônia — é o que também nos diz o Padre Piat neste livro —, podemos notar três livros que a orientam em seu caminho espiritual e humano. Antes de tudo, ela ama o Evangelho. Creio eu que ela deve ter recordado várias vezes as palavras de sua irmã Teresa: “Todos os livros me cansam, menos o Evangelho”. Leônia não é uma grande leitora: cansa-se, sente dor de cabeça, é inconstante.
O segundo livro que, depois de publicado, ela leu e releu, foi a História de uma alma. E procurou, à sua maneira, praticar com fidelidade e abandono a “pequena via” da infância espiritual. Lendo suas cartas, que estão sendo publicadas pelas Edições Carmelitanas do Brasil, notamos seu amor às pequenas coisas, ao gesto de oferecer pequenos sacrifícios e fazer tudo “para agradar somente a Jesus”.
O terceiro livro são os escritos de São Francisco de Sales. Podemos dizer que, em certo sentido, este foi o fundador de um novo estilo de santidade com o seu famoso livro Introdução à vida devota, no qual apresenta a santidade como caminho aberto a todos e onde afirma que é santo quem vive a sua vida, amando a Deus segundo o seu estado: o religioso como religioso; o leigo como leigo; e os casados como casados.
É nesses três livros que Leônia vai procurando a força para viver com fidelidade sua vocação como visitandina afetivamente ligada ao Carmelo e à espiritualidade de Santa Teresa do Menino Jesus.
Às muitas pessoas que lhe pediam orações, Leônia respondia, com um profundo senso de humor e de fé: “Falarei disso com minha Teresinha e ela certamente se ocupará do assunto”. Tinha, aliás, grande confiança na intercessão de sua santa irmã e fez todo o possível para que ela fosse conhecida por todas as pessoas. Era a secretária externa das suas irmãs no Carmelo, enviando e trazendo as mensagens que chegavam sobre a fama — que se espalhava sempre mais pelo mundo — da missionária e santa Teresa do Menino Jesus.
Conclusão
Para compreender bem a espiritualidade de Leônia, devemos ler a História de uma alma e as cartas de Santa Teresinha do Menino Jesus. E para compreender bem a espiritualidade de Santa Teresa do Menino Jesus, devemos penetrar mais na vida de Leônia, seja meditando as suas cartas, seja lendo esta biografia: são luzes que se iluminam reciprocamente.
Certa vez, uma Irmã disse para Leônia: “Eu gosto de Santa Bernadette mais que de Santa Teresa do Menino Jesus”. Dando uma gargalhada, Irmã Francisca Teresa respondeu: “Não faz mal, no paraíso as duas se entendem perfeitamente”.
O livro do Padre Stéphane Piat é fácil e gostoso de ler e nos permite conhecer melhor os mistérios de Deus. A vida de Leônia não foi fácil: ela lutou, não desanimou e foi buscando a Deus e vivendo o Evangelho à sua maneira, com sua “pouca inteligência”, mas com o grande amor que tinha em seu coração.
Uma vida longa — 78 anos —, circundada pelo amor de sua comunidade visitandina e vivida em comunhão com o Carmelo de Lisieux. Não foi uma simples admiradora da santidade e da doutrina de Santa Teresa, mas uma discípula e praticante da infância espiritual, feita de abandono e misericórdia; conseguiu vencer a si mesma e caminhar para a santidade.
Este é um livro precioso, que eu aconselharia a todos os consagrados e a todos os cristãos que, às vezes, se sentem desanimados com os próprios defeitos. Quero terminar com a anedota que nas festas natalinas as Irmãs visitandinas pediam que Leônia contasse:
Jesus — Jerônimo, o que me dás para o dia do meu nascimento?
Jerônimo — Divino Menino, eu vos dou meu coração.
Jesus — Está bem, mas dá-me mais uma coisa.
Jerônimo — Dou-vos todas as orações e todos os afetos do meu coração.
Jesus — Dá-me algo a mais.
Jerônimo — Eu vos dou tudo o que tenho, tudo o que sou.
Jesus — Desejo que me dês ainda uma coisa a mais.
Jerônimo — Divino Menino, não tenho mais nada; o que ainda quereis que vos dê?
Jesus — Jerônimo, dá-me teus pecados.
Jerônimo — O que quereis fazer deles?
Jesus — Dá-me teus pecados, para que eu perdoe todos eles.
Jerônimo — Oh, Divino Menino, vós me fazeis chorar!
Que os 80 anos da páscoa de Leônia/Irmã Francisca Teresa nos ajude a aprofundar o mistério do amor misericordioso e absolutamente gratuito de Deus por cada um de nós.
Abuna Patrick (Frei Patrício Sciadini), ocd
Cairo (Egito), 21/12/2020
Capítulo I
Uma infância difícil
A vocação de Leônia Martin teve por distante prelúdio aquela de sua tia materna, Maria Luísa Guérin, chamada Elisa, que aos vinte e nove anos entrara na Visitação de Mans com o nome de Irmã Maria Dositeia. Essa filha de oficial tivera uma juventude muito provada. Seus pais, inconscientemente contaminados pelo jansenismo, freavam suas menores manifestações de exuberância com o veto mágico: “É pecado!” O clima familiar era severo: Maria Luísa aprendera a ler no Apocalipse e nunca conheceu a alegria de acalentar uma boneca.
Ela queria entrar nas clarissas, mas a leitura de uma biografia do suave Francisco de Sales encantou a jovem, que começa a sonhar com a Visitação. Mas a mudança da família de Saint-Denis-sur-Sarthon para Alençon e os estudos das filhas em pensionatos religiosos esgotaram os magros recursos do casal. É preciso ganhar o pão. Maria Luísa e sua irmã Zélia optam pela arte da renda. Dois anos se passam antes que a postulante possa realizar seu sonho. Admitida à Visitação de Mans em 7 de abril de 1858, sua existência conventual será uma ascensão retilínea. “Venho aqui para ser santa”, declarara ao transpor a clausura.
Quanto à filha mais velha,
[1] Zélia, depois de ter aspirado por um momento à
cornette das Filhas da Caridade, se unirá a Luís Martin em 13 de julho de 1858. O locutório da Visitação tornar-se-á o remanso da intimidade e das confidências, onde o casal procurará reconforto e apoio. As cartas trocadas completarão os colóquios. Os filhos chegam. Depois do nascimento de Maria e Paulina, duas moreninhas cheias de vitalidade, é anunciado aquele — em 3 de junho de 1863 — de uma loirinha de olhos azuis e frágil constituição. Ela foi batizada no dia seguinte em
Saint-Pierre-de-Montsort, na solenidade do Santíssimo Sacramento — o que, mais tarde, não deixará de alegrá-la. A madrinha, senhora Tifenne, deu-lhe seu próprio nome — Leônia —, precedido pelo da Virgem, segundo a tradição da família.
Enquanto as duas mais velhas não tinham causado nenhuma preocupação, a que ocupa o terceiro lugar estará, durante mais de dezesseis meses, entre a vida e a morte. Da parte do senhor Guérin — o jovem Isidoro, então auxiliar de farmácia, que tem autoridade na família em matéria de medicina —, os boletins de saúde sucedem-se, cada vez mais alarmantes. “A pequena Leônia não é muito forte, mas não está doente”. — “A pobre menina é muito fraca; tem uma espécie de coqueluche crônica, felizmente menos forte que a que atingiu Paulina, pois Leônia não a superaria e Deus só dá o que podemos suportar”. — “A pequena Leônia não está se desenvolvendo bem; parece não querer caminhar. É gorda e grande como nada, sem, todavia, estar doente; é apenas muito fraca e muito pequena. Acaba de ter sarampo, do qual ficou muito doente, com convulsões muito fortes”.
Em março de 1865, a situação se agrava: taquicardias, inflamações intestinais, eczema purulento em todo o corpo. Os pais clamam ao Pai dos Céus, que jamais abandona: “Se ela tiver que se tornar uma santa um dia, curai-a”. O Sr. Martin, alma de uma fé intrépida e que nunca recua diante das fadigas do caminho — sobretudo para ir a algum santuário —, faz a pé a peregrinação de
Notre-Dame-de-Séez. Alertada, a visitandina começa uma novena em honra da vidente de Paray-le-Monial, recentemente beatificada. No último dia, a enferma, que não se sustentava sobre suas pernas, está correndo “como um coelhinho” e mostra-se, nas palavras da mãe, “de uma agilidade incrível”.
Contudo, Leônia continua frágil e sujeita a muitos mal-estares. Contrasta com Helena, que chegou para animar a casa em 13 de outubro de 1864, cujo encantador rostinho exala sorrisos e alegria de viver. A mãe, orgulhosa por levar Maria e Paulina para passear “bem arrumadas”, refere aquilo que pensa sobre as mais jovens: “Ainda tenho outras duas que não estão aqui, uma bela e outra menos bela, que amo tanto quanto as outras, mas ela não me fará tanta honra”.
Ao menos pelo momento, pois a menina delicada e raquítica paga o preço das preocupações que percebeu ao seu redor, dos cuidados diligentes que não cessaram de envolvê-la. Ela se mostra exigente, caprichosa, rebelde. Em certos momentos, impossível de suportar. “Ontem, Leônia fez a nossa vida terrível a manhã inteira — escreve a Sra. Martin —: colocara em sua cabeça que partiria para Lisieux e não parou de gritar. Seu pai precisou ficar irritado e dizer-lhe que ela não iria; depois tivemos paz”.
Colocaram-na como semipensionista, com as mais velhas, na
rue du Pont-Neuf, a cem metros da casa onde a família se instalou, com o duplo comércio de joalheria e renda. A escola primária é regida pelo Instituto das Irmãs da Providência, fundado na abside da igreja
Notre-Dame, em um vasto imóvel onde se encontram igualmente reunidos casa-mãe, noviciado, ateliê de ponto de Alençon. O duendinho não se deixa impressionar. Apenas entregue a si mesma, Leônia rumina alguma escapada. Aos quatro anos, para conseguir chegar ao seu lanche, no alto de um aparador, ela coloca duas cadeiras uma sobre a outra, escala tudo e cai sobre garrafas que arrasta consigo na queda. Foi preciso chamar o pai, que retirou com pinças os cacos de vidro incrustados no rosto e cujas marcas permanecerão visíveis. Era o terceiro acidente do mesmo tipo. A mãe, que narra o fato, não deixa por menos: “Em contrapartida, é o melhor caráter que se possa ver, ela e Paulina são encantadoras”. Irmã Maria Dositeia, por sua parte, depois de ter recebido as sobrinhas em Mans, acha “Leônia muito turbulenta; mas essas são, muitas vezes, as melhores” — corrige imediatamente.
Na verdade, havia nessa menina adoentada, ao lado de um coração de ouro, capaz de gestos delicados, uma instabilidade profunda, uma espécie de excitação rebelde a qualquer regulamento. Leônia falará mais tarde, não sem algum exagero, de sua “infância detestável”. Nas cartas às irmãs do Carmelo, recordará certos episódios desses inícios tormentosos. “Recordo-me, encapetada que eu era, que meu prazer — tratava-se dos dias de folga no Pavilhão — era irritar e fazer latir os cachorros do senhor Rabinel, grande amigo de papai, aos quais via na escadaria de granito. Se eu estivesse ao seu alcance, teria certamente passado uns quinze minutos complicados”.
Outro tipo de deficiência carregava este balanço: uma real lentidão para aprender, que, com a ajuda da malícia, fazia acumular os atrasos escolares. Falar-se-á durante muito tempo dos exercícios de cálculo nos quais, para desolação das professoras, a aluna desatenta alinhava desordenadamente os números com uma tranquila desenvoltura. “A pobre menina — concluía a Sra. Martin — me preocupa, pois tem um caráter indisciplinado e uma inteligência pouco desenvolvida”.
Várias conjunturas penosas vão agravas as dificuldades. Em 22 de fevereiro de 1870, morre inesperadamente a encantadora Heleninha, que teria sido, para aquela que a precedia em pouco tempo, a mais amável e exemplar das companheiras. A proximidade da idade aproximava Maria e Paulina, como o fará depois com Celina e Teresa. Um pouco isolada, Leônia terá tendência a fechar-se em si mesma e tornar-se selvagem. A influência nefasta de uma criada acrescentará seu peso de mistério a uma situação já seriamente comprometida.
Há, com efeito, um mistério nesse lar, onde tudo conspira a elevar as almas a Deus. Por que a terceira filha se mostra, senão impermeável, ao menos reticente aos ensinamentos e exemplos que nas outras garantiram um crescimento harmonioso e sem crises? Os mesmos princípios presidiram sua educação. Ela goza do mesmo ambiente de ternura radiante, de austeridade alegre, de piedade simples. É envolvida em todos os acontecimentos da vida da família. As reuniões familiares noturnas, à luz das lâmpadas; a liturgia coletiva; os ofícios e passeios da vida de família; também as diversões em família e as relações com os próximos: Leônia goza de todo esse quadro atraente, de intensa poesia, que as cartas da Sra. Martin retratam ao longo dos dias e cuja nostalgia a autobiografia teresiana denuncia. Todavia, ela parece enrijecer-se contra a benéfica influência. Como explicar esse enigma?
(...)
[1] Na verdade, Zélia (1831-1877) é a segunda filha do casal Guérin, precedida por Maria Luísa [Irmã Maria Dositeia] (1829-1877)