Carta de S. S. Bento XV ao autor
Ao nosso caríssimo filho Columba Marmion, abade de Maredsous
Caríssimo Filho, saúde e bênção apostólica
Tendo folheado pessoalmente nestes últimos dias, conforme no-lo permitiram as nossas ocupações, os vossos dois livros que tão atenciosamente nos tínheis oferecido, e dos quais um se intitula “Jesus Cristo, vida da alma” e o outro “Jesus Cristo nos seus mistérios”, facilmente verificamos serem justíssimos os louvores a eles tecidos, como próprios para excitar e alimentar nas almas a chama do amor divino. Embora neles se não ache exposto tudo o que tendes explicado a vossos filhos espirituais nas vossas conferências sobre Jesus Cristo, exemplar e autor de toda a santidade, todavia logo se vê que oportunamente fomentam o zelo em imitar e em viver d’Aquele que “por Deus foi feito para nós sabedoria, justiça, santificação e redenção”.
Foi, pois, ótima ideia dar à publicidade estes volumes, para que não só os vossos filhos espirituais, mas muitos outros se aproveitassem deles na prática de todas as virtudes; e, segundo ouvimos dizer, andam já largamente nas mãos de numerosos leigos. Por tudo isso, não só vos damos graças, como também vos felicitamos; e benévola e paternalmente vos concedemos, caríssimo filho, a Bênção Apostólica, como auspício das graças celestes sobre vós.
Dado em Roma junto a São Pedro,
no dia 10 de outubro de 1919, ano sexto do Nosso Pontificado.
Bento XV, Papa.
Introdução
Consentindo na publicação das conferências reunidas no volume “Jesus Cristo, vida da alma”, o autor apenas tinha em vista expor, segundo o Evangelho, as Epístolas de São Paulo e as conclusões da doutrina teológica, os caracteres fundamentais da vida cristã. Esta é essencialmente sobrenatural e só pode encontrar-se em Jesus Cristo, modelo único da perfeição, tesouro infinito de graças e causa eficiente de toda a santidade. As conferências de que se compõe este livro são, pois, uma continuação lógica das do precedente.
A vida de Jesus Cristo, exemplar divino mas acessível da vida cristã, manifesta-se aos nossos olhos pelos estados e mistérios, pelas virtudes e atos da sua santa Humanidade. Humana na expressão exterior, a vida do Verbo Encarnado é toda divina na sua origem. Por isso, os mistérios do Homem-Deus não são apenas modelos que devemos considerar; encerram também em si mesmos tesouros de merecimento e de graça. Pela sua virtude onipotente, Jesus Cristo, sempre vivo, produz, a perfeição interior e sobrenatural dos seus diversos estados naqueles que são animados do desejo sincero de imitá-Lo e de se pôr em contato com Ele, pela fé e pelo amor.
Foi à luz destas verdades que o autor expôs os principais mistérios de Jesus. O plano é simples. As duas conferências preliminares mostram como os mistérios de Jesus Cristo são também os nossos, e como, de modo geral, podemos assimilar os seus frutos. Não compreenderemos bem o valor transcendente destes mistérios, seu esplendor admirável, sua conexão lógica, a união profunda que os liga, se não considerarmos primeiro
Aquele que por nós os viveu. Por isso, na primeira parte, procuramos delinear os traços essenciais da própria pessoa de Jesus, Verbo eterno feito carne, que veio para resgatar o mundo pelo seu Sacrifício.
A segunda parte é consagrada à contemplação dos mistérios do Homem-Deus. Com o auxílio dos dados do Evangelho e dos textos litúrgicos, o autor procurou determinar a realidade humana desses mistérios, descobrir o seu significado e indicar as aplicações que deles se podem fazer à alma fiel. Quanto à seleção desses mistérios, pensamos que nada poderia haver de melhor do que escolher aqueles que a Igreja nos propõe no ciclo litúrgico.
Com efeito, quem melhor do que ela poderá conhecer os segredos do Esposo? Quem com mais perícia poderá ministrar-nos as lições evangélicas? Quem melhor do que ela sabe guiar-nos para o Salvador?
O acolhimento deveras benévolo com que foi recebido o livro “Jesus Cristo, vida da alma”, sobretudo pelos leigos, não foi para o autor apenas um precioso estímulo, foi também um sintoma dos mais reconfortantes, no meio das tristezas e preocupações de uma época particularmente agitada como a nossa.
Isto mostra que, sob a pressão dos tristes acontecimentos que agitaram a Europa e o mundo, muitas almas, dóceis à voz de Deus, entraram dentro de si e, sedentas de salvação, de paz, e de luz, se voltaram para Aquele que é o caminho infalível, a verdade que ilumina todo o homem que vem a este mundo, a vida que salva da morte eterna.
É n’Ele que, como diz São Paulo, é preciso “restaurar todas as coisas”, porque, segundo o pensamento do mesmo Apóstolo, fora deste fundamento divino não há estabilidade nem duração.
A única ambição do autor, ao consentir na publicação destas conferências, é contribuir, pouco que seja, para a grande obra da restauração cristã.
Que Nosso Senhor se digne abençoar estas páginas, que escrevemos para honra d’Ele, e que só d’Ele se ocupam. Que elas possam revelar melhor às almas os segredos do amor desse Deus que desceu até nós. Praza a Deus que elas procurem saciar-se com mais frequência nas fontes de água viva que jorram do Coração trespassado de Jesus, para nossa salvação e para nosso conforto.
Festa da Anunciação, 25 de março de 1919.
D. Columba Marmion.