Prólogo
Em retrospecto, a vida de Guido aconteceu sob o manto de Nossa Senhora, desde o primeiro encontro dos seus pais. Ele nasceu em Volta Redonda, em maio de 1974, mas passou a maior parte dos seus 34 anos em Copacabana, o mais mariano dos bairros cariocas. Maio é o mês de Maria, justamente quando nasceu Guido Schäffer, para a Terra e para o Céu. Guido amava o mar apaixonadamente, e foi Maria, a Estrela do Mar, quem o conduziu a Cristo.
Muitos se lembram dele à frente de um grupo de oração chamado Fogo do Espírito Santo, que se reunia desde 1998, em Ipanema, na Paróquia Nossa Senhora da Paz. Os encontros se davam nas noites de domingo, depois da missa dos jovens, celebrada por mim. Aos que chegavam, a alegria e a beleza da juventude impressionavam, rapazes e moças animados por louvores cristãos, em lugar das batidas das boates.
Eram três surfistas, jovens universitários, no centro: Guido Schäffer, médico recém-formado, na direção; Samir Aros, seu velho amigo de Copacabana, ao violão; e Eduardo Martins, estudante de engenharia, há pouco unido ao grupo, ajudando na coordenação. Era grande o cuidado com a palavra de Deus. Depois do louvor, Guido ficava responsável pela pregação. O anúncio do Evangelho também era sua paixão.
Certa noite, Guido falou de uma viagem de surfe ao sul do Brasil, na qual pedira a Deus um encontro com Cristo. O Senhor lhe deu um sinal muito claro, em resposta às suas orações. Era seu costume falar de Deus, e um pescador que encontrou na praia, muito tocado com suas palavras, resolveu presentear-lhe com um rosto de Cristo talhado em madeira.
Assim era Guido — alegre, convidado pelo Senhor a segui-lo mar adentro, rumo a águas mais profundas. Guido Schäffer também era um pescador, mas de homens. Sua pesca, confiante nas palavras de Jesus, tem sido abundante. Foram breves, seus 34 anos na Terra, mas sua vida e intercessão continuam a dar muitos frutos. Conhecer o seu legado é um convite a deixar Deus talhar a imagem de Cristo em nossos corações.
O fogo é um dos símbolos do Espírito Santo. Representa a mesma unção que desceu sobre os apóstolos em Pentecostes: a caridade, o amor de Deus. Guido Schäffer é o Surfista de Fogo. Sua caridade ainda está presente entre nós. Esta chama não pode se apagar, nem pela água do mar, nem pela onda da morte.
“Em Fl 3,13 diz São Paulo: Esquecendo o que ficou para trás, eu me lanço para o que está à frente. Jovem, se você escuta a palavra do Senhor, deixa o que ficou para trás, olha para frente. São Paulo, diz, também, em Fl 3,16: Não importa onde, em que grau chegamos, mas agora importa seguir decididamente. O cristão vive de uma decisão, e há momentos da vida em que é preciso ter essa decisão radical, como um dia chegou para mim, esse momento, em que eu me vi diante de Deus e precisava dar uma resposta. Que seja o seu ‘sim’, sim e o seu ‘não’, não. Seja firme mas lembra: esquecendo aquilo que ficou para trás, se lança para o que está à frente. E, com certeza, isso que está à frente é muito maior. Vale a pena, volto de onde iniciei, perder tudo por causa de Nosso Senhor Jesus Cristo, perder tudo para se unir Àquele que é o Tudo. Isto vai dizer São João da Cruz, tudo perder para ganhar. Então eu acredito que isso aí é que deve iluminar o passo. Se você sente esse apelo do Senhor dê uma resposta”.
(Guido Schäffer — Entrevista na Rádio Catedral, 06-09-08)
Copacabana
A influência da família Schäffer é fundamental na vida de Guido. Para seu pai, há uma correspondência muito grande entre ele e o filho. Ambos têm o mesmo nome: o primeiro, Guido Manoel Vidal Schäffer; o segundo, Guido Vidal França Schäffer. Ambos são médicos. O acaso não existe: para o pai, seu filho é um Guido aperfeiçoado, e esta melhora se deu pelas mãos de Deus.
As lembranças do Dr. Guido, o pai, hoje já aposentado, são muito vivas. Ele afirma que a história é mais matemática que a própria matemática: ela explica tudo. A família Schäffer é de origem alemã. Concentrava-se na região da Baviera, no sudeste do país, embora houvesse ramificações em outros lugares, como Hamburgo, cidade portuária ao norte. Trata-se de um sobrenome muito comum na Alemanha: Schäffer significa “pastor”.
A Baviera é uma região rural, e os Schäffer estavam acostumados a trabalhar no campo. De certa maneira, foi por esta razão que chegaram ao Brasil. No século XIX, depois do ciclo do açúcar, a novidade na economia brasileira era a produção do café para exportação. O modelo de produção ainda era o dos grandes latifúndios, mas, com a extinção gradual do trabalho escravo, havia necessidade da importação de mão de obra imigrante. Desta nova força de trabalho, 90% eram italianos, embora houvesse outras nacionalidades, como os Schäffer, da Alemanha.
As plantações de café eram férteis, sobretudo na região do Vale do Paraíba, onde a terra-roxa favorecia o cultivo. Os novos imigrantes se concentraram naquela região, que alcançava os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. A família Schäffer fincou raízes na cidade mineira de Juiz de Fora, juntamente com a colônia alemã. D. Pedro II, cuja família tinha origens germânicas, favoreceu essa imigração. A colônia alemã de Juiz de Fora adotou o nome de São Pedro, santo homônimo ao imperador. E foi justamente em Juiz de Fora que nasceu o Dr. Guido Manoel Vidal Schäffer, em 12 de maio de 1936.
Seu pai, Willibaldo, era um homem muito trabalhador. Nasceu em 8 de julho de 1902, e viveu quase 92 anos. Desde os 6 anos, já ajudava o próprio pai, Sebastião, na lavoura. Aos 12 anos, perdeu a mãe. Na juventude, exerceu diferentes funções: farmacêutico, cervejeiro, operário de uma fábrica de balas. A certa altura, Juiz de Fora recebeu a visita dos padres do Verbo Divino, que fundaram na cidade a Academia do Comércio. Esta instituição tornou-se um grande centro educativo e profissionalizante. Willibaldo, sob a proteção dos padres, estudava durante o dia e trabalhava como porteiro à noite. Inteligente, com pendor para a matemática, o rapaz assumiu a função de secretário, e ocasionalmente substituía seus professores nas salas de aula. O magistério, porém, não era sua vocação. Por volta de 1926, ele prestou concurso para o Banco do Brasil, sendo aprovado em segundo lugar no exame nacional. Willibaldo Schäffer agora rumava para São Paulo, grande centro econômico do país.
A condição da mudança era a de que, na primeira oportunidade, ele pudesse retornar a Juiz de Fora. Cerca de três anos depois, Willibaldo retornou à cidade, e foi quando conheceu sua esposa. Àquela altura, graças a seu esforço pessoal, ele já era um membro respeitável da sociedade. Sua esposa também era mineira, embora não tivesse nascido em Juiz de Fora. O pai dela era um comerciante que se estabeleceu na cidade. A família da jovem, chamada Anna Eliza de Araújo Vidal, ficou feliz em dar sua mão em casamento a Willibaldo.
Viveram pouco mais de uma década em Juiz de Fora. Havia algo no mar que atraía os Schäffer, e em 1941 eles se estabeleceram no Rio de Janeiro. O bairro escolhido foi Copacabana, bem perto do Hotel Copacabana Palace. Na época, Guido, o filho único, tinha quase 5 anos. Ele passaria a maior parte da sua vida no bairro. Em 1945, morou na rua Rodolfo Dantas, transversal ao Copacabana Palace. Em 1956, já no primeiro ano da Faculdade de Medicina, mudou-se para a rua Domingos Ferreira, onde viveu em diferentes apartamentos, por 54 anos. Lá, em 1968, iniciou sua vida de casado e criou seus três filhos. Para os Schäffer, todos os caminhos levavam a Copacabana.
Willibaldo, contador por formação, teve uma carreira longa e próspera no Banco do Brasil. Quando se aposentou, embora não fosse advogado, exerceu a função de procurador da instituição no Ministério da Fazenda. A família se recorda dele como um homem caridoso, que ajudou não só a irmã, onze anos mais nova, a entrar no Banco do Brasil, como também todos os descendentes a receber uma boa formação. O patriarca ajudou muitas pessoas do próprio sangue, assim como estranhos. Willibaldo Schäffer era um cristão que recebeu o nome de um santo alemão: ele nasceu no dia de São Willibaldo.
Os Schäffer do Brasil, como expressão da realidade cultural alemã, tinham um lado católico e um lado luterano. A família de Willibaldo desenvolveu-se no catolicismo. Uma irmã tornou-se freira, juntando-se à Congregação das Irmãs de Santa Catarina, responsáveis, no Rio de Janeiro, pela Casa de Saúde São José. A Congregação está espalhada pelo Brasil e pelo mundo, administrando também colégios e procurando se adequar às necessidades pastorais de cada região.
Esta religiosa da família Schäffer administrou o Colégio Santa Catarina, em Petrópolis. Trabalhou no Espírito Santo, exerceu funções na Alemanha e, mais tarde, tornou-se priora geral da congregação, em Roma, junto ao Papa Paulo VI. O acaso não existe. Não é de se estranhar que a família Schäffer, muito católica, tenha sido atraída a Copacabana. O bairro recebeu o nome de uma tradicional devoção boliviana à Nossa Senhora.
A palavra Copacabana, oriunda do dialeto indígena aimará, “kota kahuana”, significa “vista do lago”. Copacabana é uma cidade no entorno do lago Titicaca, na Bolívia. Trata-se de um importante destino turístico do país. A cidade cresceu ao redor da Basílica de Nossa Senhora de Copacabana, erguida a partir do século XVI. Nossa Senhora de Copacabana é a padroeira da Bolívia.
A Ordem dos Pregadores de São Domingos de Gusmão evangelizou toda aquela região, desde 1539, propagando a devoção à Virgem Maria e à recitação do rosário. Por volta de 1580, porém, Copacabana estava dividida, e um grupo desejava o retorno à religiosidade indígena. Foi quando Francisco Tito Yupanqui, aimará católico, decidiu esculpir a imagem de Nossa Senhora de Copacabana, traduzindo a fé e a cultura local. A basílica e a própria cidade de Copacabana se desenvolveram abrigando a imagem, em proporção à crescente devoção nacional.
Essa irradiação devocional atingiu outros países, chegando a Espanha, Argentina, Peru, Colômbia e Brasil. No Rio de Janeiro, no século XVII, comerciantes bolivianos e peruanos trouxeram uma réplica da imagem à praia de Sacopenapã, nome tupi que significa “caminho de socós”, ave ainda hoje existente na região. Sobre um rochedo, na ponta da praia, ergueram uma capela em homenagem à Nossa Senhora de Copacabana, que, com o tempo, passou a designar a praia e o bairro.
No final do século XIX, com a crescente poluição no centro e na zona portuária, a zona sul do Rio de Janeiro tornou-se uma opção cada vez mais desejada. O médico Francisco de Figueiredo Magalhães recomendava Copacabana como um verdadeiro santuário de saúde, paz e tranquilidade. Com o tempo, o bairro começou a se integrar ao resto da cidade, acentuando sua urbanização. Em 1906, ao lado da praia, foi inaugurada a avenida Atlântica. Em 1914, a antiga capela foi demolida para a construção do atual forte de Copacabana. A igreja, no entanto, foi apenas transferida. Willibaldo Schäffer, assim como sua família, nunca se esqueceu de que é Nossa Senhora quem dá nome ao bairro de Copacabana.
“Sua mãe conservava no coração todas essas coisas (Lc 2,51). Assim, como bons filhos de Maria, Mãe do Puro Amor, devemos conservar no coração a Palavra de Deus, a fim de não pecarmos (Sl 118,11). Este é o segredo da pureza de Maria, conservar no coração a doçura da Palavra, pois esta é mais doce que o mel, que o mel que sai dos favos (Sl 18,11). É por isso que a sabedoria de Maria supera a de todos os homens e, também, a dos anjos, pois ela concentrou todo o seu ser em guardar a Palavra de Deus”.
(Guido Schäffer — Meditação, 27-01-07)
Medicina
No início do século XX, época de acentuado desenvolvimento urbano, o Rio de Janeiro tinha grandes mestres na medicina, como Figueiredo Magalhães, Oswaldo Cruz e Miguel Couto. Foi dentro de casa, porém, que surgiu a vocação da família Schäffer à medicina. Eles não sabiam, mas essa atividade os aproximaria muito de Deus.
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