Introdução
O Aperitivo
Snap! E um bolinho de batata me atinge no rosto. A surpresa me faz perder o equilíbrio. A bebida em minha bandeja derrama, espirrando em meu colega desavisado. Ele fica chocado, tanto quanto eu fico desconcertado. Junto com a minha bebida, meus bolinhos de batata caem sobre a mesa. E nessa hora, alguns dos meus colegas do segundo ano enchem suas mãos com os bolinhos e começam a arremessá-los por toda a lanchonete. Alguns gritam: “Guerra de comida!” E, nesse momento, cai uma chuva de comida de todos os tipos e por todas as direções; não como o maná enviado do céu, mas algo como dejetos de pássaros: formas desagradáveis, sujas e repugnantes, às quais eu chamo de “algo que já foi comida”. Essa foi a minha primeira experiência com uma guerra de comida – e também minha primeira experiência com a detenção. E nem fui eu que comecei. Mas, numa guerra, ninguém é completamente inocente, e no fim, todos saem castigados.
Minha segunda experiência com a guerra de comida aconteceu quando eu estudava no Pontifical North American College, o seminário americano de Roma, na Itália. Embora tenha sido uma experiência incrível estudar teologia numa cidade repleta de lições espirituais (e de restaurantes!), acabei me sentindo um pouco triste por estar tão longe da minha família. Também me senti ligeiramente intimidado com a perspectiva de morar num país estrangeiro por tantos anos pois, sinceramente, eu nem gostava de comida italiana.
Essa guerra de comida em especial ocorreu dentro do meu coração e da minha alma. Fiquei tentado a desistir, por pensar que não iria aproveitar. Primeiro, porque a saudade de casa me fez questionar a autoridade do bispo ao me mandar para Roma. O meu mau comportamento teve a sua origem no fato de que a comida italiana é bem diferente dos sabores terrosos e salgados da comida filipina bem marinada – especialmente a comida caseira da minha família! Eu morreria de fome? Eu me encaixaria num seminário anglo-americano, num país cheio de italianos (alguns dos quais não entendiam que um filipino poderia ser realmente americano)? A luta interior continuava conforme eu questionava se seria capaz de aprender alguma coisa relevante para o meu sacerdócio, principalmente considerando que todas as minhas aulas eram administradas em italiano.
Embora a maioria das pessoas diga que eu sou muito extrovertido e amigável, elas não sabem a dificuldade que enfrento para ser uma pessoa pública. A batalha em minha alma era realmente direcionada para a comida, mas era muito sutil. Eu conseguiria confiar que Jesus poderia alimentar o meu corpo, minha mente e a minha alma? Conseguiria entender que o meu pastor – meu arcebispo – queria me colocar nesse pasto específico para que eu pudesse “me alimentar” da proximidade com o vigário do Bom Pastor, o Papa?
Foi só depois de abrir a minha boca diante de alguém com mente aberta que descobri que Deus realmente proveria! Percebi, depois de encarar minhas próprias frustações e preconceitos, que a verdadeira comida italiana é maravilhosamente deliciosa e muito diferente da pretensa comida “típica italiana” que é servida nos restaurantes populares na América (que eu nunca gostei, e gosto menos ainda hoje em dia).
No seminário, exigia-se que os estudantes compartilhassem uma refeição em família todos os dias da semana. Minha tristeza e saudade da família eventualmente deixaram de ser uma luta, uma vez que os estranhos que se sentavam à mesa acabaram se tornando meus irmãos espirituais. O que eu descobri ao ser guiado e alimentado pelo Pastor de Deus é que Deus sabe o que é melhor para mim. Eu era como uma criança descobrindo as delícias dos vegetais depois de anos de resistência às coisas boas que mamãe e papai queriam dividir. Essa guerra de comida – meus medos interiores e a tentação de me isolar da comunidade e do mundo por causa de minha tristeza e solidão – era tão real, inútil, confusa e dolorosamente irritante, quanto aquela guerra de comida que eu não tinha provocado no Ensino Médio – mas não era nada divertida. Entretanto, ela me ajudou a preparar-me para a minha terceira experiência com a guerra de comida.
Essa terceira guerra de comida tem sido mais uma sequência de experiências que venho tendo como um padre católico romano. Acontece sempre que tento alimentar o rebanho com a verdade da fé. Não importa quão zelosa e envolvente eu tente apresentar a fé, muitas pessoas simplesmente não topam comer o que eu sirvo! É um rebanho mimado. Tenho que pacientemente dar a eles apenas pequenos pedaços da verdade. Tenho que trabalhar muito para adoçar as palavras – tão desafiadoras – do Evangelho, mesmo que só um pouquinho, para fazê-los entender que, por mais que a verdade possa ser dolorosa e difícil de engolir, ela inevitavelmente leva à Boa Nova.
Essa guerra de comida pelas almas é uma batalha sem fim – uma batalha aparentemente perdida. Temos que admitir que o mundo (não o mundo natural que Deus criou como “bom”, mas o mundanismo corrupto que inclui a indústria do entretenimento, uma cultura pop imoral e políticas hipócritas) faz um trabalho muito melhor ao alimentar o rebanho com suas meias verdades e mentiras sinceras. E o rebanho vai comendo. O tempo todo, a Igreja Católica parece estar perdendo a batalha à medida que muitos membros a abandonam, desiludidos por causa dos nossos escândalos, ou famintos por algo mais, algo diferente, algo mais emocionante.
O PODER DE UMA SIMPLES REFEIÇÃO
Como jovem pároco, percebi que, enquanto eu estava com as pessoas em suas mesas de jantar, acabavam acontecendo uma evangelização e uma catequese muito eficazes. Decidi então usar algumas de minhas ferramentas culinárias, o treinamento que tive com minha família e no período em que passei em Roma, e um pouco de estudo pessoal dedicado, para promover jantares com as famílias da paróquia. Esse relacionamento pessoal entre o pároco e seus paroquianos levou ao início ao movimento
Grace Before Meals[1], um apostolado para aproximar os indivíduos de Deus e uns dos outros pelo poder de uma simples refeição. Com o apoio dos meus irmãos sacerdotes e do arcebispo, tive a oportunidade de usar informalmente a comida para compartilhar a mensagem do evangelho através de um website, de livros com mensagens inspiradoras e receitas, vídeos, apresentações ao vivo, rádio e um show de TV. A crescente conscientização sobre esse estranho movimento culinário para os fiéis chamou a atenção do canal de televisão
Food Network, o que acabou provocando uma das mais importantes guerras de comida da minha vida.
Essa batalha épica me deu, na verdade, uma oportunidade e um impulso para ganhar vantagem sobre os inimigos da nossa fé. Durante um combate chamado
Throwdown! With Bobby Flay[2], um chef mundialmente conhecido me desafiou para uma competição surpresa de culinária. Talvez tenha sido a primeira vez, ou pelo menos a primeira vez em muito tempo, que uma rede de entretenimento secular promoveu o trabalho de um padre católico. Nesse divertido episódio, assistido por milhões de pessoas (na noite em que o show foi ao ar, meu site chegou a quase dois milhões de acessos), eu derrotei um chef famoso numa competição de filé
fajita.
Embora tenha sido um episódio intencionalmente bem humorado, também foi uma competição bastante séria. E essa batalha se tornou a base para uma promoção nacional (e internacional) da mensagem positiva sobre a importância das refeições em família. O fortalecimento dos relacionamentos familiares que ocorrem ao redor da mesa de jantar é uma mensagem muito básica e simples, mas com profundas implicações sociológicas, psicológicas e até teológicas.
Em outras palavras, eu cozinho para as pessoas para poder aproximá-las umas das outras. Além disso, quando a família e os amigos – ou até mesmo estranhos – se reúnem para uma refeição, têm a chance de fazer uma oração de ação de graças. E sabemos que, quando Deus é convidado para a mesa de jantar, milagres acontecem!
A partir dessa guerra épica de comida, tão lindamente celebrada por tantas pessoas diferentes, tive a maravilhosa oportunidade de compartilhar essa mensagem com uma audiência global. A reação tem sido extremamente positiva, provavelmente por ser uma mensagem simples, mas profunda, e porque esse jeito alegre e apetitoso de conectar fé, comida e família, pode ser utilizado por mais pessoas além dos católicos.
QUANTO MAIS FORTE A FAMÍLIA, MELHOR A COMIDA
Você pode estar tentando entender como tudo isso aconteceu. Eu gosto de cozinhar. Eu cozinho porque gosto de comer. Tento cozinhar bem porque eu gosto de comer bem. E, honestamente, se eu consigo servir uma comida deliciosa para a família e os amigos, eu consigo deixar as pessoas mais felizes. Além disso, como sacerdote que serve a Boa Nova todos os dias, meu trabalho é, em última análise, trazer para as pessoas a felicidade que vem das virtudes teologais: fé, esperança e amor de Deus.
Algumas pessoas ainda ficam perplexas com o fato de que um padre possa se envolver no mundo da culinária. Mas os padres já não fazem parte dos “serviços de alimentação?”. Conforme desenvolvo os fundamentos teologais e fundacionais desse apostolado, compreendo melhor a razão por trás dos interesses e gostos naturais que as pessoas têm. Talvez as pessoas, como as ovelhas, estejam com fome.
(...)
[1] Pode ser traduzido livremente como “Oração Antes das Refeições”. (N. da T.)
[2] Programa de televisão do canal Food Network. (N. da T.)