“Como é que seus filhos vão conseguir se virar no Mundo Real?”
Você costuma ouvir esse tipo de pergunta com frequência?
Caso a resposta seja afirmativa, você deve ser um pai ou mãe católico — e talvez até pertença àquela estranha e misteriosa subespécie a que chamamos um
homeschooler[1].
Você é questionado em festas e supermercados, no médico e na feira. As perguntas são feitas em tom de curiosidade, preocupação ou ceticismo finamente disfarçado. Isso pode fazê-lo hesitar e gaguejar — não por vergonha, mas simplesmente porque você não sabe ao certo como responder. Nem poderia, já que essa é uma daquelas perguntas para as quais não existe resposta exata. Na verdade, nem mesmo a pergunta é exata. Como mãe educadora, eu lhe daria um “insuficiente”.
Pois o que é, afinal, o Mundo Real?
Onde está o Mundo Real?
Quando você começa a investigar, descobre que os experts até podem dar algumas pistas:
Ele é
grande.
Seus filhos só poderão ter alguma chance se forem entregues aos
experts — isto é, qualquer pessoa menos você — porque os pais têm a tendência de protegê-los dele, e ninguém quer isso.
Ele é uma
elite.
Seus habitantes pertencem a um clube exclusivo, produtor de “conceitos estabelecidos”. Seus membros são designados de uma forma indefinida, como na frase: “Dizem que...”.
Uma rígida fronteira nos separa deles.
Os católicos que levam a sério o convite a estar no mundo sem ser do mundo vivem em um lugar perigoso chamado
Shelterhaven[2]. Não podemos atravessar do nosso lado para o lado deles.
É um lugar bonito
para se viver, mas não temos vontade de visitá-lo.
Qualquer criança criada em
Shelterhaven sofreria um choque mortal ao entrar em contato com o Mundo Real. Por isso, os pais deveriam mandar seus filhos para lá o mais cedo possível, principalmente se apresentam sintomas pouco saudáveis, como um apego demasiado à sua mãe durante a fase pré-escolar.
“O Mundo Real” é uma daquelas expressões que são uma armadilha criada para deixar os pais mortos de medo. Podemos divisá-lo vagamente à nossa frente como um buraco negro. É desconhecido, é grande, e está “lá fora”, esperando para nos devorar!
Mas não há o que temer. Na verdade, o Mundo Real é familiar, é controlável, e se senta à mesa da cozinha. É a família católica a caminho do céu.
A família Lloyd vem praticando o
homeschooling desde o princípio. Nossa filha mais velha é agora uma adolescente. Já escrevi dezenas de milhares de palavras sobre este assunto, desde orações infalíveis para livrar seu filho do inferno, até instruções sobre como dissecar um sapo.
Este livro é sobre o Mundo Muito Real de uma família católica, tentando simplesmente fazer o melhor que pode. Estamos plenamente inseridos no século vinte, ainda que nas catacumbas, tentando viver conforme os valores do primeiro século. Às vezes, um pouco da Roma pagã consegue insinuar-se, mas mesmo assim continuamos tentando, na esperança muito real de que possamos rir de tudo isso algum dia, juntamente com os primeiros cristãos, no
verdadeiro Mundo Real.
Por um momento pensei que estava no
Candid Camera[3]. Lá está vamos nós seis, num começo de tarde no meio da semana, terminando diligentemente as tarefas escolares enquanto ocupávamos quase todas as cadeiras na estreita sala de espera do oftalmologista.
Um experiente cavalheiro que estivera observando-nos abertamente durante meia hora, finalmente falou. “Em que escola você estuda?” perguntou ele à nossa terceira filha. “Que homem perspicaz”, pensei, maravilhada. Quatro de cinco crianças com o dom da linguagem, e ele escolhe justamente a porta-voz de todas elas!
Uma olhadela revelou-me que ele deveria ser um profissional aposentado. Um tipo “vovô”, jeitoso com crianças. Havia definitivamente um brilho em seu olhar. Confiável.
Acenei com a cabeça para a Senhorita Três. “Somos
homeschoolers, começou ela.
O sujeito revelou ser Barbara Walters
[4] disfarçada.
“É mesmo? Você gosta?”
“Quantas horas por dia vocês gastam nisso?”
“Vocês têm atividades sociais?”
“Vocês têm uma lousa?”
“Vocês têm computador?”
“Oh, dois computadores, mas nenhuma lousa? Hummm...”
Antes que a Senhorita Três o convidasse para conhecer nossa mesa da cozinha, senti que era hora de interferir.
Na verdade, eu estava mesmo esperando por uma brecha. Gosto quando surge uma oportunidade de apresentar o
homescholling de uma forma favorável – mostrar a um membro da “melhor geração” o quanto nós,
homeschoolers, podemos ser responsáveis e fiéis às regras.
Hesitei antes de começar. Deveria eu citar estatísticas mostrando nossa bagagem acadêmica? Ou deveria, talvez, enfocar o ângulo social? Ele certamente já tinha notado o quão bem comportadas e capazes eram as minhas filhas.
“Sabe...” comecei, levantando ligeiramente o queixo.
De repente, a Senhorita Primogênita fechou com violência o seu livro de inglês.
“Eu não consigo! Eu simplesmente não consigo!” gritou ela.
“Não consigo entender isso! De que serve aprender esse negócio, afinal? Quando eu crescer, garanto que ninguém nunca vai me perguntar o que é um aposto! E se eu morrer jovem, nunca irei nem mesmo
usar isso!”
Lancei um olhar furtivo para o homem. Ele não se tinha abalado. Com um olhar, imobilizei minha filha em sua cadeira e tentei recompor meu discurso.
Mas ele foi mais rápido. “Eu lecionei em escola pública por muitos anos”, disse ele.
“Verdade?” respondi, com um sorriso indulgente.
“Isto é, até que me tornei diretor.”
“É mesmo?”
“Sim. Depois fui superintendente por alguns anos antes de me aposentar.”
“Ah, sim...”
“Acho muito interessante vocês fazerem
homeschooling, continuou ele, sorrindo complacente. “Posso fazer-lhe uma pergunta?”
Olhei para o chão e encolhi os ombros.
“Eu só estava imaginando como você pretende administrar anatomia neuroquímica macroscópica e outras matérias avançadas quando essas crianças chegarem ao ensino médio”. Naquele mesmo instante a recepcionista entrou: – “Sra. Lloyd?”
Deus ex machina, bem na hora! Tive vontade de abraçá-la. Aliás, naquele momento eu lhe teria dado a minha primogênita. Mas, enquanto me levantava para entrar, lembrei-me do meu dever. Sou uma
homeschooler. Sou uma pioneira. SOU MULHER! Ergui-me sobre os meus um metro e sessenta e
um de altura, encarei o superintendente escolar e sentenciei: “Pretendo resolver esse problema quando chegar lá.”
Então algo surpreendente aconteceu. Ele riu. Em seus olhos havia definitivamente um brilho.
Depois de anos de
homeschooling, o meu momento havia chegado. Eu tinha estado cara a cara com um autêntico
expert em educação, e nem precisei usar meu discurso.
Olhei em volta para ver se o Allen Funt
[5] iria surgir do nada, apontando para a câmera escondida e me dizendo que eu vencera. Mas não vi ninguém.
Sobrou para o Espírito Santo.