1. O maior dom de Deus
Palavras de luz
Na Última Ceia, horas antes de se iniciar a Paixão, Jesus abriu seu coração aos apóstolos, que estavam com ele à mesa. Era a hora emotiva da despedida, e Ele encorajou-os e consolou-os com ternura: Filhinhos meus, por um pouco ainda estou convosco... Agora deixo o mundo e volto para junto do Pai... Não se perturbe o vosso coração... Não vos deixarei órfãos... Como o Pai me ama, assim também eu vos amo... Vós sois meus amigos... (Cf. Jo 13-17).
Nesse clima carinhoso, de repente o Senhor pronunciou algumas palavras que deixaram os discípulos aturdidos, desconcertados: Digo-vos a verdade: convém a vós que eu vá! Porque se eu não for, o Paráclito [o Espírito Santo] não virá a vós; mas se eu for, vo-lo enviarei (Jo 16,7).
Os apóstolos sofriam com a despedida, mas não imaginavam que essa separação pudesse ser, como Jesus acabava de dizer, necessária, “conveniente”, um “bem” para eles.
Que queria dizer Jesus com essas palavras? Só encontramos a resposta quando conseguimos entender que aquela noite da quinta-feira santa e os dias seguintes (Sexta feira da Paixão e Domingo da Ressurreição) foram a “hora” de Jesus (Jo 12,27), a “hora” da Salvação ardentemente esperada por Ele (Lc 12,50), a “hora” em que completou a sua entrega redentora – que era a razão da sua vinda ao mundo (Jo 10,10-11.28) −, e em que levou até ao cume o seu Amor (Jo 13,1;19,30).
Duas faces do mistério da Redenção
O mistério da “hora” de Jesus tem – como uma lâmina preciosa de ouro fino – duas faces.
? A primeira é o Sacrifício da Cruz: Jesus dá a vida para expiar os nossos pecados, Ele é o
Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo 1,29). Meses antes já havia anunciado que viera ao mundo para
dar a vida pela salvação de muitos (Mt 20,28). E São Paulo frisará concisamente:
Veio a este mundo para salvar os pecadores (1Tm 1,15).
“Na Paixão de Jesus – diz Bento XVI −, toda a imundície do mundo entrou em contato com o imensamente Puro, com a alma de Jesus Cristo e, desse modo, com o próprio Filho de Deus... Nesse contato, a imundície do mundo é realmente absorvida, anulada, transformada por meio do sofrimento do amor infinito”
[1].
? A segunda face é o envio do Espírito Santo como “fruto da Cruz”
[2].
Eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique eternamente convosco, o Espírito da Verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece, mas vós o conhecereis, porque permanecerá convosco e estará em vós (Jo 14,16-17).
Alguns Santos Padres dos primeiros séculos entendiam que as palavras “
entregou o espírito”, com as quais São Mateus conclui a narração da morte de Cristo (Mt 27,50), na realidade se referiam ao Espírito Santo, e deveriam ser traduzidas por “enviou, entregou-nos o Espírito”.
Quer dizer que, uma vez consumado o Sacrifício que nos resgata do pecado, nosso Senhor envia à sua Igreja e às almas de cada um de nós o Espírito Santo – o Amor divino em Pessoa, o Amor da Trindade −, como fonte de Vida nova, sobrenatural.
A vinda do Espírito Santo,
que o Pai enviará em meu nome (Jo 14,26), é, sem dúvida, o maior “fruto” do Sacrifício redentor. “Lavados”
[3] os nossos pecados na Cruz, as almas redimidas, justificadas, têm as portas abertas para receberem o Amor de Deus e viver dele, nele e com ele em uma santa intimidade.
São Paulo expressava isso de modo vivo:
O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado (Rm 5,5).
A fonte de todos os dons
Com esse Dom do Espírito Santo, vêm – como de uma fonte − todos os outros dons sobrenaturais, que nos “divinizam” e nos permitem pensar, falar, sentir e agir como filhos de Deus, identificados com Cristo, e nos conduzem à Vida eterna. Esses dons ou graças são:
- a graça santificante
- as virtudes sobrenaturais infusas (especialmente a fé, a esperança e a caridade)
- os carismas
- as graças sacramentais
- os “dons do Espírito Santo”
A fé da Igreja enumera sete dons do Espírito Santo, baseada nas palavras do profeta Isaías (Is 11,1-2) e de São Paulo (Gl 4,6): “Sabedoria, entendimento, conselho, fortaleza, ciência, piedade e temor de Deus”
[4].
Esses dons – ensina o
Catecismo − são “disposições permanentes que tornam o homem dócil para seguir os impulsos do Espírito Santo” e “completam e levam à perfeição as virtudes daqueles que os recebem”
[5].
Alguns teólogos os comparam às “antenas” sobrenaturais que captam a voz e os impulsos do Espírito Santo; ou às velas estendidas de um barco que acolhem o sopro do vento propício – o “pneuma”, o Espírito Santo – que faz navegar, suave e eficazmente, rumo à santidade.
Nas próximas páginas procuraremos meditar sobre esses sete dons. Invoquemos desde já a assistência do Espírito Santo com uma das mais antigas e belas orações que a Liturgia conserva, a chamada Sequência de Pentecostes:
Vinde, Espírito Santo,/ e enviai do Céu /um raio da vossa luz.
Vinde, Pai dos pobres;/ vinde, doador das graças;/ vinde, luz dos corações.
Consolador ótimo,/ doce hóspede da alma,/ doce refrigério.
Descanso no trabalho,/ no ardor, tranquilidade,/ consolo no pranto.
Ó luz santíssima!/ enchei o mais íntimo/ dos corações dos vossos fiéis.
Sem a vossa ajuda,/ nada há no homem,/ nada que seja inocente.
Lava o que está sujo,/ rega o que é árido,/ cura o que está doente.
Dobra o que é rígido,/ aquece o que está frio,/ dirige o que está desviado.
Concedei a vossos fieis,/ que em Vós confiam,/ vossos sete dons sagrados.
Dai o mérito da virtude,/ dai o porto da salvação,/ dai a eterna alegria.
[1] Jesus de Nazaré, vol. III, p. 209.
[2] São Josemaria Escrivá.
É Cristo que passa, n. 137.
[3] “
Aquele que nos ama, que nos lavou de nossos pecados no seu sangue” (Ap 1,5).
[4] Catecismo da Igreja Católica, n. 1831.
[5] Ibidem., n. 1830-1831.