Integridade
A totalidade dos nossos deveres está incluída na palavra integridade. Para o homem a integridade consiste precisamente em unificar-se a si próprio em toda a sua plenitude e — imagem de Deus no espiritual — em revestir, por assim dizer, a sua forma sagrada.
Neste sentido absoluto, a integridade humana apenas foi realizada uma vez sobre a terra. Antes brilhava como um ideal e depois, ainda como ideal, continua a brilhar aos nossos olhos.
É frequente ouvir dizer que o ideal humano absoluto não existe. Há meios, épocas, raças, temperamentos diferentes e o seu ideal também difere naturalmente. No entanto, a humanidade é especificamente una, há uma só antropologia e, por conseguinte, apenas existe um comportamento natural e normal no homem.
O que acontece é que descobrir em nós o homem é uma tarefa difícil. A cultura e a civilização têm feito grandes esforços nesse sentido e, no entanto, por vezes param e recuam. Cada homem, per se, sem desprezar as suas características individuais, é chamado a realizar esse trabalho. Contudo, neste ponto, ninguém está realmente satisfeito, nenhum homem satisfaz em nós a ideia do homem, e é por isso que se torna mais fácil de compreender que exista um tipo humano ideal proposto a todas as consciências. O ideal existe e cada vez que julgamos é em relação a ele que o fazemos. Poucas pessoas têm visto o padrão do metro no Pavilhão de Breteuil, mas quem quiser um metro de tecido mede sempre por essa unidade.
Quando nos examinamos a nós mesmos vemos que nunca, mesmo nos tempos das maiores desilusões, chegamos a perder a fé no homem. Presenciamos a loucura com a nostalgia do equilíbrio. Sofremos a injustiça e sonhamos com o que é justo. O justo é como um arco-íris: não podemos agarrar o meteoro, mas admiramo-lo de longe.
Não é verdade que logo que aparece ou se vislumbra um verdadeiro tipo de humanidade surge também uma nova fonte de entusiasmo? O modelo não aparece, mas brilha secretamente em nós quando, apaixonadamente, aplaudimos os seus contornos. E afinal, são homens reais 0s que nos sugerem a melhor maneira de viver e, por sua vez, essa concepção recebida é que nos serve para julgar os homens. O ideal e o real interferem constantemente. O real faz sombra ao ideal, e o ideal ofusca o real com o brilho da sua luz.
Fala-se de vidas romanceadas, mas não deveria cada um romancear a sua, elevando-a à sua mais alta significação e à sua mais alta potência? O ser que recebemos ao nascer não é definitivo; é embrionário, plástico. Esse ser inicial é infinitamente moldável na forma que Deus nos encarrega de realizar durante a nossa passagem pela terra, mas só nessa realização encontra o seu verdadeiro sentido, correspondente ao pensamento divino que o cria e que depois o julga. Porém, o homem tem tendência para dar importância apenas ao eu inferior, menos exigente e mais imediato. Elevarmo-nos ao eu sublime, ao eu divino, seria regressar à simples verdade de nós mesmos.
Tal é a significação do sentido moral. É o próprio sentido da vida na sua forma perfeita. E é precisamente nesse terreno que o sentido moral confina com o sentimento religioso, ao refletir-se sobre o sentido do ser humano e da sua origem. A diferença está em que, do ponto de vista moral, se sobe da natureza a Deus, ao passo que, do ponto de vista religioso, se desce de Deus à natureza. Em ambos os casos, ao realizar o pensamento divino obedecemos a nós mesmos. Ao receber o impulso criador sem lhe resistir, somos impelidos — de uma maneira livre — nos nossos próprios caminhos e no nosso próprio sentido.
Sentido da integridade, sentido moral, consciência. São três maneiras de exprimir o sentimento da nossa ligação com o Pensamento primeiro, dessa existência antes do tempo que mede a nossa existência no tempo, desse ser que temos em Deus e pelo qual somos verdadeiramente nós mesmos e ao mesmo tempo nos divinizamos.