São Leão Magno, papa (séc. V)
Sermão na Quaresma 1,3-5
“Entramos no combate da santidade”. Entramos, amadíssimos, na Quaresma, isto é, em uma maior fidelidade ao serviço do Senhor. Vem a ser como se entrássemos em combate de santidade. Portanto, preparemos nossas almas às investidas das tentações, sabendo que, quanto mais zelosos nos mostremos de nossa salvação, mais violentamente nos atacarão nossos adversários. Porém, aquele que habita no meio de nós é mais forte que aquele que luta contra nós. Nossa fortaleza vem dele, em cujo poder temos posto nossa confiança. O Senhor permitiu que o tentador lhe visitasse, para que nós recebêssemos, além da força de seu socorro, o ensinamento de seu exemplo.
Acabais de ouvi-lo: venceu o seu adversário com as palavras da Lei, não com o vigor de seu braço. Sem dúvida, sua humanidade obteve mais glória e foi maior o castigo do adversário ao triunfar do inimigo dos homens como mortal, em vez de como Deus. Combateu para ensinar-nos a combater após Ele. Venceu para que nós, do mesmo modo, sejamos também vencedores. Pois não há, amadíssimos, atos de virtude sem a experiência das tentações, nem fé sem prova, nem combate sem inimigo, nem vitória sem batalha.
A vida transcorre em meio a emboscadas, em meio de sobressaltos. Se não queremos ver-nos surpreendidos, devemos vigiar. Se pretendermos vencer, temos de lutar. Por isso disse Salomão quando era sábio: filho, se entras no serviço do Senhor, prepara tua alma para a tentação. Cheio de ciência de Deus, sabia que não há fervor sem esforço e combates. E prevendo os perigos, os adverte a fim de que estejamos preparados para repelir os ataques do tentador.
Instruídos pelo ensinamento divino, amadíssimos, entremos no estádio escutando o que o apóstolo nos disse sobre este combate: nossa luta não é contra a carne e o sangue, mas contra os principados, contra as potestades, contra os dominadores deste mundo de trevas. Não nos enganemos: Estes inimigos que desejam perder-nos compreendem muito bem que contra eles se encaminha todo o nosso esforço em favor de nossa salvação. Por isso, cada vez que desejamos algum bem, provocamos ao adversário. Entre eles e nós existe uma oposição entranhada, fomentada pelo diabo, porque, tendo eles sido despojados dos bens que nos advêm da graça de Deus, nossa justificação lhes tortura.
Quando nós nos levantamos, eles submergem. Quando revitalizamos nossas forças, eles perdem a sua. Nossos remédios são as chagas de Cristo, pois a cura para nossas feridas os entristece: estejam, portanto, alertas, diz o apóstolo; cingi vossos rins com a verdade, revestidos da couraça da justiça, e os pés calçados de prontidão para anunciar o Evangelho da paz. Embraçai a todo momento o escudo da fé, com que possais apagar os dardos inflamados do maligno. Tomai, enfim, o capacete da salvação e a espada do espírito, que é a Palavra de Deus.
Foi-nos dado o escudo da fé para proteger todo o corpo, colocou em nossa cabeça o capacete da salvação, colocou em nossas mãos a espada, ou seja, a palavra de verdade. Assim, o herói da luta do espírito não somente está reguardado das feridas, mas também pode lesar a quem o ataca. Confiando nestas armas, entremos sem preguiça e sem temor na luta que nos é proposta, e, neste estádio em que se combate pelo jejum, não nos contentemos apenas em abster-se de comida. De nada serve que se debilite a força do corpo, se não se alimenta o vigor da alma. Mortifiquemos algo ao homem exterior, e restauremos ao interior. Privemos a carne de seu alimento corporal, e adquiramos forças na alma com as delícias espirituais. Que todo cristão se observe detidamente, e com um severo exame esquadrinhe o fundo do seu coração.
Homilia
Durante a Quaresma, revivemos os quarenta dias do Senhor no deserto. É tempo de renovação interior, de luta espiritual, para progredirmos nos caminhos do Senhor. Ele quer dar um novo impulso, um salto de qualidade na nossa vida de cristãos. Um bom lema quaresmal pode ser: “criai em mim um coração que seja puro, dai-me de novo um espírito decidido” (Salmo 50).
1. O batismo nos fez filhos de Deus. Porém, todos têm necessidade de evitar a “ferrugem” inerente à condição humana, e não há ninguém que não deva se esforçar para progredir na união com Deus. O mal tem suas raízes em nós mesmos e que cada um deve combatê-lo dentro de si, numa luta sem tréguas nem férias.
Supõe despertar a consciência e torná-la sensível à voz de Deus. Peçamos sensibilidade espiritual para reconhecer o mal, colocarmo-nos diante da verdade da própria conduta, descobrindo a distância entre o que Deus esperava, o que deveria ser a nossa vida e o que é em realidade. É preciso descobrir o que vai mal e pedir perdão, estar dispostos a uma nova conversão.
Além da graça de Deus, precisamos de meios concretos para purificar nossas disposições interiores, tantas vezes desfocadas pelos apegos. Por isso, Quaresma é tempo especial de penitência, esmola, oração, jejum e abstinência. O desprendimento das coisas materiais purifica e ajuda a encontrar o Senhor.
Cada um deveria preparar um plano concreto de luta para esta Quaresma. Por exemplo: abstinência de falar mal dos outros; jejum de televisão, telefone, internet, de ouvir música no carro ou em casa, de festas e diversões. Não comer doce e beber refrigerante exceto aos domingos. A esmola de visitar doentes, ajudar nas tarefas de casa. Fazer plano de vida diário de oração e leitura espiritual.
2. O Evangelho tem dois protagonistas: Jesus e satanás. Sim, ele existe. O mundo tão tecnológico tem em abundância feiticeiros, médiuns, ocultismo, amuletos, superstições e seitas satânicas.
Cristo e o diabo não são dois princípios contrários de mesmo nível. Jesus é Deus. Satanás é criatura, anjo que se tornou pervertido e perversor, juntamente com outros, os demônios. É como um cachorro amarrado que late o tempo inteiro. Só morde quem se aproxima dele. E não se pode atribuir tudo ao demônio, muito menos toda a culpa. Somos livres!
O Evangelho mostra Jesus que resistiu e venceu. Ensina como podemos vencer as tentações e tirar proveito das que iremos passar. Tentações todos sofremos, até nos altos postos eclesiásticos. Deus respeita as escolhas humanas, mas age providencialmente. Permite o mal para dele tirar bens maiores. Convém analisarmos as tentações que Nosso Senhor sofreu:
A primeira tentação: fazer das necessidades materiais a prioridade absoluta. A segunda tentação: colocar Deus a nosso serviço, ter uma religião utilitarista, onde o principal não é Deus, mas o interesse humano. É também o gosto de querer brilhar, aparentar, dar prioridade às ambições humanas, a vida fácil.
A terceira tentação: é necessário lembrar que Jesus veio para ser rei. E o diabo oferece o reinado com facilidade, sem cruz, sem sofrimento. O diabo propõe um meio simples para alcançar um fim bom. É a tentação de que os fins justificariam os meios. Muitas vezes somos tentados a isso. O diabo propõe-nos meios desonestos, dizendo: tua finalidade é boa, tua intenção é boa, por isso podes usar esses meios não bons. Para Jesus, os fins não justificam os meios. Os meios também devem ser bons. Meios honestos para fins honestos. Não esquecer jamais qual é o nosso principal fim: amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com todas as tuas forças, com todo o teu entendimento.
A vida cristã é um constante começar e recomeçar, um renovar cada dia. Em Cristo encontramos forças para vencer. E armas: a oração, a Eucaristia, a mortificação, a fuga das ocasiões de pecado, devoção a Nossa Senhora e ao anjo da guarda. E a Confissão, verdadeira tábua de salvação oferecida por Jesus, que assim deseja perdoar.
Como teremos vitória se não tivermos uma guerra? Como teremos guerra sem batalhas? E como teremos batalhas sem um inimigo? Nosso Senhor conta com nossa boa-vontade, e nós com a sua graça. Unidos a Cristo nunca seremos vencidos, e poderemos chamar-nos e ser de verdade vencedores: bons filhos de Deus.