Prefácio à 2ª edição
Mais depressa do que se podia esperar se esgotou a primeira edição do “Curso de Liturgia”, certamente graças à benevolência com que foi acolhida pelo colendo Episcopado e venerandos Colegas. Nesta nova edição ainda mais do que na maneira, se explica a origem, o progresso, o significado dos ritos e das fórmulas. Pois diz São João Crisóstomo: “Muitos celebram festas e as conhecem pelo nome, mas ignoram-lhes a origem histórica e ocasional. Merece isto a censura de proceder muito vergonhoso e ridículo”.
Acrescentaram-se os decretos do Concílio Plenário Brasileiro, a explicação das Ordens maiores e menores, os diagramas das funções da Semana Santa e da Missa pontifical por ocasião da Visita pastoral, as festas da Epifania e Natividade de Maria Santíssima, etc.
Foi promulgada a encíclica Mystici Corporis Christi e recebida com sincera gratidão. No texto da nova edição deste Curso, a encíclica foi mencionada e aproveitada.
Queira o Sagrado Coração de Jesus abençoar também esta edição para glória de sua Vida eucarística e santificação de seus amados sacerdotes e fiéis.
São Leopoldo, Seminário Central,
festa do Natal de Nosso Senhor de 1942.
Pe. J. B. Reus, S. J.
Introdução à liturgia
No princípio dos seus Exercícios Espirituais, Santo Inácio de Loiola define com poucas palavras o dever do homem para com o seu Criador. “O homem foi criado para louvar a Deus, Nosso Senhor, prestar-Lhe reverência e servi-lO e, fazendo isto, salvar a sua alma. As outras coisas na terra foram criadas por causa do homem e para o ajudar na consecução do fim, para o qual foi criado”.
Estas palavras são uma introdução adequada à Liturgia sacra. Pois o homem, criatura de Deus que é, depende dele completamente; a sua dependência deve-a reconhecer e manifestar. Pela reverência interior reconhece a soberania de Deus sobre a sua alma, fazendo, por exemplo, os atos de fé, esperança e caridade; é o culto interior. Pelo louvor e serviço manifesta os sentimentos de sujeição por meio de sinais sensíveis; é o culto exterior.
O homem não está sozinho na terra; há “outras coisas, criadas por causa dele”. Estas outras coisas são, em primeiro lugar, os outros homens, vivos e mortos; em segundo lugar as criaturas irracionais, vivas e inanimadas. Devem auxiliá-lo na consecução do seu fim; devem, portanto, em ação comum com ele, servir a divina Majestade. Este serviço comum de todas as criaturas é serviço de Deus, é Liturgia, na acepção mais lata, embora imprópria, porquanto inclui todos os deveres do homem.
Nesta disciplina, porém, tomamos a palavra Liturgia no seu sentido próprio, significando um dever especial, o culto direto do Criador, cujos atos abrangemos com o nome de Virtude de Religião.
§ 1. Natureza da liturgia
2. I. Definição nominal. A palavra Liturgia significava: 1) na antiguidade, uma função profana, pública, não remunerada, por exemplo, a função de juiz, de festeiro de jogos públicos, de diretor de teatro, de armador de navio, mesmo de operário público. Pois a palavra Liturgia deriva-se de leiton do povo; e érgon = a obra, o ministério; e denota qualquer ministério exercido em nome ou em favor da comunidade; 2) em o Novo Testamento, um encargo público, embora profano, na comunidade religiosa. Assim o cuidado dos pobres na cristandade de Corinto tem este nome, 2Cor 9,12: “ministerium huius officii”; 3) uma função pública sacra da Igreja: a pregação da palavra divina, as orações dos clérigos, principalmente o sacrifício. Já no Antigo Testamento o serviço dos sacerdotes e levitas no santuário se chama Liturgia (Ex 28,39), em o Novo Testamento o serviço sacro de Zacarias é Liturgia (Lc 1,23); principalmente Jesus Cristo é chamado leitourgos (Hb 8,2). Os Santos Padres muitas vezes falam da Liturgia sacra, entendendo todo o serviço sacro do clero; 4) o sacrifício do Novo Testamento. Nas constituições apostólicas (c. 380) a missa é chamada Liturgia. Desde o século IX os gregos usavam este termo para designar a missa.
3. II. Definição essencial. Esta é formada do gênero próximo e da diferença específica. Tal é a seguinte definição: Liturgia é o culto da Igreja. “Culto” é a noção genérica, pois culto pode significar uma série de atos (objeto material), ou uma homenagem prestada (efeito do culto), ou a inclinação interior para esta homenagem. Na definição entra “culto” no primeiro sentido.
“Igreja” é a noção específica, pois o culto da Igreja não é culto só interior, mas também exterior; não é culto individual e privado, mas social e público; não é arbitrário e natural, mas prescrito e oficial. Estes termos: exterior, público e oficial estão incluídos na noção de “Igreja”, que necessariamente tem estas qualidades (cf. Hansens, Gregorianum, 1927, pp. 204-228; Coelho I; Eph. Lit. 1927, pp. 405-412).