Introdução do Tradutor
Passei os primeiros dezenove anos da minha vida sacerdotal absolutamente ligado à disciplina de um Seminário. Pelo Senhor, que eu via representado nos meus Superiores, fui incumbido de ministrar alimento espiritual aos que Ele escolhera para seus futuros ministros, e eu por forma nenhuma queria envenená-los. Não sei se lhes fiz algum bem, mas consola-me a ideia de que era bom o alimento que lhes dava.
Debrucei-me muitas vezes sobre o comentário de Santo Agostinho ao Evangelho de S. João, e, maravilhado do que lia, alimentei o desejo de o traduzir.
Confesso ter tido a veleidade de supor que pouco mais era preciso do que enfrentar o latim, e, sem saber bem o que fazia, lancei mãos à obra.
Porém a breve trecho fiquei desiludido. Santo Agostinho neste seu comentário é sempre o Teólogo profundo, o Filósofo-Mestre; é uma Águia de voos sublimes a acompanhar os voos sublimes de outra Águia; é o homem superior cuja fisionomia moral foi resumida por alguém nestes três traços salientes: elevação de alma, caridade, humildade.
Tive receio, e senti-me sem forças, embora o Santo Doutor use de linguagem simples, pois era ao povo que pregava quando comentava o Discípulo Amado.
Não sei se traduzi convenientemente o pensamento do Santo Bispo de Hipona, e poderá suceder até que eu tenha sido menos exato na apresentação do dogma. Se o fiz, declaro publicamente que não procedi com intenção de ofender a pureza da ortodoxia, e desde já retiro qualquer expressão menos exata, pois creio tudo o que Deus revelou, e a Igreja propõe para ser acreditado, reconhecendo que ela é a mestra única da verdade.
Aí vai o primeiro volume que compreende o comentário aos quatro primeiros capítulos do 4º Evangelho. Do acolhimento que obtiver este volume dependerá a publicação doutros, pois o trabalho de versão já vai adiantado, graças a Deus.
Santo Agostinho viveu na época das grandes heresias. A sua palavra de fogo e a sua argumentação cerrada dirigem-se contra todos os que se atreveram a contraditar a doutrina da Igreja Católica. Mas os hereges que mais sentiram o peso da sua dialética foram os maniqueus, os arianos e os donatistas. A eles serão feitas referências no decorrer desta versão, e bem assim a vários sistemas filosóficos, tais como o fatalismo.
Resta-me dar algumas explicações que podem resumir-se nesta: Guardou-se na versão o maior respeito para com o original impresso tanto na tradução, quanto possível literal como na apresentação gráfica.
1º Santo Agostinho fala umas vezes no singular, e outras no plural: “Eu sei”, “nós sabemos”, “tu conheces”, “vós conheceis” e passa muitas vezes repentinamente de uma forma de expressão à outra.
2º Guardaram-se quase todas as repetições com que o Santo Doutor insiste, quando quer excitar o interesse dos ouvintes na penetração do dogma; omitiu-se uma ou outra, sem que fique prejudicado o texto.
3º Quando se refere a Nosso Senhor Jesus Cristo, umas vezes usa esta mesma expressão, outras vezes diz: “o Senhor”, “o Senhor Jesus”, “Cristo Senhor”, “o Senhor Jesus Cristo”, etc. Tudo se conservou sem alteração.
4º Quando se dirige a Deus, usa sempre da segunda pessoa do singular, como é próprio da língua latina.
5º Os textos em itálico encontram-se também em itálico no original e os textos colocados entre aspas encontram-se no original também entre aspas, ou mesmo sem qualquer sinal que os saliente do contexto. Estes últimos foram também postos entre aspas para que o leitor possa consultar a Sagrada Escritura, a propósito de qualquer passagem.
6º Santo Agostinho, na apresentação dos textos bíblicos, nem sempre usa da forma como se encontra na Vulgata. Usa muitas vezes de termos sinônimos, notando-se também desconformidade nos tempos dos verbos, e alteração na ordem das palavras. Nesta obra usou-se quase exclusivamente da versão bíblica do Rev. Padre Matos Soares.
7º Há palavras que principiam por letra minúscula, como: cristão, mundo, etc. e que no original aparecem com letra inicial maiúscula. Na versão não se fez alteração a respeito das iniciais dessas palavras.
8º No verdadeiro rigor teológico, os verbos que exprimem as operações divinas a que os teólogos chamam operações ad intra, tais como gerar, não devem empregar-se no pretérito, mas sempre no presente. Santo Agostinho nem sempre usa deste rigor teológico, e assim fica explicado o motivo por que nesta versão aparecem os mesmos termos indevidamente empregados no pretérito.
Praza a Deus que a leitura desta obra, verdadeiro quadro de arte metido em moldura carunchosa e denegrida, possa concorrer para o decrescimento da ignorância de muitas almas, a respeito da Sagrada Escritura em geral, e do Evangelho em especial.
Tem sempre atualidade este pensamento de S. Jerônimo: “ignorar a Escritura é ignorar Jesus Cristo”.
O Tradutor