INTRODUÇÃO
São Boaventura nasceu na Itália do século XIII, no ano de 1221. Sétimo sucessor de São Francisco de Assis no governo geral da Ordem dos Frades Menores e também cardeal e bispo de Albano, João Fidanza, como se chamava, quando criança teve a boa ventura de ser curado de uma perigosa enfermidade através intervenção de São Francisco, que sua mãe devotamente invocara. Daí o nome pelo qual se tornou conhecido e o motivo de gratidão que o instigou a entrar, quando chegou à idade oportuna, para a Ordem fundada pelo Santo a cuja intercessão devera a conservação da vida.
Ainda na adolescência dirigiu-se à França a fim de completar os seus estudos na Universidade de Paris. Tendo-os quase terminado, entrou definitivamente para a Ordem Franciscana. Desde esta época Boaventura se destacava pela agudeza da inteligência, a modéstia do porte, a serenidade da alma, a pureza da vida e também o fervor da devoção. Logo que recebeu o grau de bacharel, foi incumbido de lecionar em cursos privados, conforme mandava a norma. No exercício do magistério teve de tomar parte nas discussões que então dividiam as opiniões dos doutos e, sobretudo, teve que assumir, juntamente com seu colega de professorado, o dominicano Tomás de Aquino, a defesa das Ordens chamadas mendicantes.
Durante uma sessão do Concílio de Lyon, que o Papa Gregório X convocara, São Boaventura, acometido por um súbito mal-estar, veio a falecer em 15 de julho de 1274. Tinha 53 anos de idade, sendo 30 de profissão franciscana e 17 deles como Ministro Geral da sua Ordem. Em 1482 foi canonizado por Sisto IV e em 1587 foi proclamado Doutor da Igreja por Sisto V.
As obras de São Boaventura, excetuando a Explicação do Evangelho de S. Lucas e o Comentário das Sentenças de Pedro Lombardo, se restringe a pequenos tratados. Essa brevidade, porém, esconde uma imensa profundidade. Os seus escritos parecem simples porque são resumidos e bem organizados, mas, na realidade, eles são extremamente complexos e densos, encerram um mundo riquíssimo de ideias e de sugestões que se desdobram em perspectivas intermináveis à medida que vão sendo mais de perto observadas. A impressão que a leitura dessas obras deixa na alma é a de uma ascensão serena e constante para os mundos invisíveis da eternidade através da criação visível.
De um modo geral, é possível dizer que a conciliação e harmonização de forças contrárias foi uma característica sempre muito presente na sua vida e nas obras (não só escritas) em cuja realização se empenhou: na organização da sua Ordem conciliou os espirituais com os conventuais; nas polêmicas universitárias tratou de subordinar todas as opiniões à verdade incontestável, que é a Revelada, e todas as divergências à única autoridade inquestionável, que é a do Papa; nos seus estudos subordinou as ciências humanas à ciência divina e as coisas todas do universo ao Criador de todas as coisas. Por último, no Concílio de Lyon, a sua grande tarefa foi a conciliação da Igreja Grega com a Igreja Latina, pela subordinação de ambas à autoridade do Papa.
Esta mesma harmonização de contrastes que distinguiu o seu caráter encontra-se na sua doutrina espiritual. Nela sintetizam-se habilmente as duas antíteses que dividiam o seu espírito: por um lado, o seu gosto pessoal pelo estudo e pela especulação teológica e, por outro, a sua paixão pela piedade franciscana, que São Francisco de Assis ensinara, encarnara e que era essencialmente prática, traduzida pela ação no serviço e por amor de Deus. Diante disso, São Boaventura tratou de conciliar essas duas tendências: dedicou-se a estudar o ramo da Teologia que tem por escopo justamente a prática do amor de Deus: a Teologia ascética e mística. Essa conciliação do estudo feito pelo e para o amor de Deus é que deu à espiritualidade de São Boaventura a sua singularidade e o que lhe rendeu o título de Doutor Seráfico, isto é, o de mestre da caridade esclarecida pela ciência ou “da ciência dedicada ao serviço e ao amor de Deus”.
A sua doutrina possui alguns pontos centrais, que podem ser resumidos assim: que todo homem pode chegar ao conhecimento de Deus pelo ponderado discernimento dos indícios que Ele deixou em todas as coisas do Universo; que todo homem pode, pelo estudo da Sagrada Escritura e pelo ensinamento da Igreja, chegar ao conhecimento de Cristo e crer nele como Deus humanado; e, finalmente, que todo homem pode, com o auxílio da graça divina e dos dons do Espírito Santo, esforçar-se com tal empenho por imitar a Cristo, purificando, iluminando e aperfeiçoando a sua alma por meio da meditação, da oração e da contemplação até o ponto de, após haver se desapegado de todos os seus pecados e de todas as suas más inclinações, assim como de se haver exercitado na prática das virtudes cristãs chegar, enfim, à contemplação de Deus.
Os escritos de São Boaventura tiveram uma influência considerável, especialmente quanto aos dois pontos da sua doutrina que dizem da necessidade da imitação de Cristo, e do progresso da vida espiritual através dos três estágios da purificação, iluminação e perfeição da alma. Com efeito, o santo franciscano foi o primeiro escritor que expôs de modo completo a distinção dos três estágios espirituais: a via purgativa, a via iluminativa e a via unitiva, distinção que tem sido aproveitada por quase todos os que, depois dele, trataram do mesmo assunto.
“Não é a ciência que conduz a Deus, mas o amor”: o grande mérito de S. Boaventura foi reconhecer humildemente essa verdade, que aprendera em Santo Agostinho e vira realizada na vida de São Francisco de Assis. Por isso, embora pessoalmente amando com ardor o estudo da Filosofia e da Teologia, soube apontar como o mais seguro caminho para se chegar a Deus o mesmo caminho de humildade e de simplicidade que seguira com tanta decisão o seu incomparável fundador. Nas páginas que se seguem, o leitor poderá ter contato com algumas das extraordinárias obras deste ilustre Doutor e constatar todas as singularidades acima descritas, que já atingiram a muitos e influenciaram os mais respeitáveis teólogos.