Introdução
Está fora da compreensão do espírito humano conhecer ou avaliar a profundidade da tristeza que encheu o coração de Nosso Senhor Jesus Cristo. Uma coisa, porém, sabemos: a Sua tristeza teve origem no amor, no amor por Seu Pai, tão ofendido pelos pecados dos homens; e no amor pelos homens, tão desamparados no meio dos seus pecados.
O sofrimento causado por este amor foi tão intenso que, mesmo por ocasião do Seu maior triunfo terreno, quando entrava acompanhado de grande pompa na cidade de Jerusalém, entre as aclamações do povo, o Seu Coração magoado irrompeu em pranto desfeito e os Seus sagrados lábios pronunciaram a mais trágica das lamentações: “Se também tu, ao menos neste dia que te é dado, conhecesses o que te pode trazer a paz! Mas não, isso está oculto aos teus olhos” (Lc 19,41-44). E predisse então a destruição a que seria sujeita a cidade “porque não conheceste o tempo em que foste visitada”.
Mas não era a primeira vez que Ele se lamentava. Em outras duas ocasiões O ouvimos queixar-se deste amor inútil que despedaçava o Seu Sagrado Coração: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados, quantas vezes quis juntar os teus filhos como a galinha abriga a sua ninhada debaixo das asas, mas não o quiseste?”(Lc 13,34). A sua própria desgraça não O afligia mais do que a que sofreriam aqueles que O rejeitavam: “Eis que será deixada deserta a vossa casa”.
Estes são apenas dois exemplos da tristeza que O acompanhou por toda a Sua vida. É a tristeza de um amante, que sabia que Ele, e somente Ele, poderia levar a verdadeira alegria e felicidade ao coração dos Seus amados. É a tristeza de um amante cujo coração ardia em fogo de desejo de antes dar que receber, e cujo desejo mais ardente era que o Seu amado tivesse vida, e a tivesse em abundância. É a tristeza de um amante que desceu do Céu, viveu na terra e quis morrer para que uma parte da Sua alegria divina enchesse o coração do Seu amado. Ele era o Caminho, a Verdade e a Vida. Ele sabia que uma coisa apenas era necessária, e foi para dar ao Seu amado essa coisa que Ele se entregou e se despojou de tudo, tornando-se “obediente até à morte, e morte de Cruz”(Fl 2,8). Através de toda a Sua vida e morte, encontramos sinais evidentes desse desejo de nos convencer do Seu amor por nós e da necessidade que temos Dele. Devemos lembrar-nos de que a Sua intenção não visa somente a humanidade em geral. Ele nos ama como indivíduos e morreu por nós como indivíduos. Todos nós podemos, verdadeiramente, repetir com São Paulo: “Ele amou-me e se entregou por mim” (Gl 2,20).
Se Nosso Senhor pensou, portanto, que era tal forma necessária para cada um de nós procurarmos o reino de Deus, que está dentro de nós, que resolveu de livre vontade sujeitar-Se a uma Paixão e Morte terríveis por amor a cada um de nós, nós, da nossa parte, devemos convencer-nos disso, não só por amor a Ele, mas também por amor a nós mesmos, pois é de vital importância que procuremos compreender e cumprir o que Ele exige de nós.
É este o fim destas páginas: mostrar-nos quais os projetos que Nosso Senhor tem a nosso respeito e indicar-nos a forma de cooperarmos para que eles se cumpram. O que está escrito neste livro destina-se a todos os cristãos, mas especialmente àqueles que sentem as suas limitações humanas e necessitam de algo que vai além do que os seus esforços, sem ajuda, podem alcançar.
Este livro é, com efeito, a história de uma sociedade entre Deus e a alma humana que começa no batismo, e que deve, pela ação conjunta de ambos os sócios, levar-nos a um êxtase de união perpétua no Céu. Mas, para que cada um contribua com o que lhe cabe nessa obra, é necessário, antes de mais nada, conhecer o que tem de fazer.
Para se viver como bom católico, é necessário que se tenha ideia do que é ser verdadeiro católico. Para buscar o reino de Deus, é preciso saber o que isso significa. Para encontrar a Cristo e viver em união com Ele, é preciso possuir os conhecimentos necessários, porque o conhecimento deve preceder o amor. O conhecimento, é claro, não basta. É preciso que ele conduza a uma ação que se resume nos dois grandes mandamentos: amor a Deus por Ele mesmo e amor ao próximo em Deus.
Mas nós somos seres racionais e o serviço a Deus é racional. Não é raro encontrarmos devoções baseadas no sentimento e na emoção, ou numa espécie de fé insensata que despreza a razão e aproxima-se da superstição. Deus é a Suprema Sabedoria, e em parte alguma brilha mais notavelmente esse seu predicado do que no seu plano da nossa Redenção. Se, portanto, dedicamos muitas páginas deste livro para tentar expor a unidade fundamental e a conexão dos planos de Deus, é porque vale a pena o esforço que empregamos para compreender os princípios fundamentais, que são o alicerce da sua obra.
Quando conseguimos compreender, ainda que imperfeitamente, o significado dos planos de Deus para restaurar todas as coisas em Cristo, encontramos a chave não só de toda a história do Universo, mas também da história e destino da nossa própria alma. As minudências da vida espiritual caem todas dentro da própria perspectiva e a ânsia da perfeição apresenta-se não só possível, mas até razoável, para todos os cristãos.
Mas esse plano é complexo. Estende-se do tempo para a eternidade e desta para o tempo. Envolve tanto o natural como o sobrenatural, entrelaçados intimamente. Aproxima o Éden do Calvário, e liga o Calvário com todos os momentos do tempo. Envolve realidades que não têm paralelo na ordem natural. Só se pode falar disso em metáforas, e, no entanto, a realidade representada é bem mais real do que os símbolos usados para a significarem.
O plano de Deus é, na verdade, uma obra-prima. Mas a nossa felicidade na terra e a nossa alegria eterna no Céu dependem dele e, portanto, embora seja difícil compreendê-lo, qualquer esforço que fizermos será bem empregado. Teremos menos dificuldade se notarmos que o plano de Deus é único: possui um único fim e um único modelo, o que dá ordem a toda a sua variedade. Como dissemos no prefácio, assemelha-se a um cristal. O modelo do todo encontra-se em cada uma das suas partes, e de fato as partes só se incorporam no todo tornando-se conformes com Ele — isto é, com Cristo. Porque Cristo é tudo em tudo. Cristo inteiro — cabeça e membros — parece-se com Cristo, a cabeça. Cada membro é uma imagem da cabeça, porque cada cristão é outro Cristo. O laço que une os membros é igual ao laço que une o todo, tanto que São Paulo não hesita em comparar a união de dois membros por meio do casamento à união da cabeça com todo o corpo. De fato, existe qualquer coisa de “sacramental” em todas as unidades do modelo, no sentido de que cada membro e a sua história assemelhasse e reflete em certo modo e em certo grau a Cabeça e a Sua História, e até Cristo Inteiro e a Sua história.
Cada pequeno capítulo da história repercute o fim de toda a história, tão ousadamente resumido por Santo Agostinho: “E haverá um Cristo amando-se a Si mesmo”, pois Cristo salva-nos e santifica-nos, tornando-nos parte de Si mesmo de tal forma que a Sua história é também a nossa história.
É, de fato, uma história de amor — a história do amor de Deus pelos homens, e, portanto, a nossa própria história de amor –, mas o final feliz depende de nós, e por isso devemos assegurar a nossa parte Nele . Diz-se que as jornadas acabam com o encontro dos amantes; se é assim, a vida é, de fato, uma jornada que acaba não só com o encontro dos amantes, mas com a sua união eterna. Essa união eterna, que é o fim de tudo, tem o seu modelo na união eterna, que é o princípio de tudo, e, por isso, para compreender plenamente o plano de Deus, é necessário regressar ao próprio princípio.
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