Apresentação
A afetividade humana e a castidade cristã Francisco Javier Insa Gómez[1]
(...) A formação da afetividade nos candidatos ao sacerdócio
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A vocação sacerdotal acrescenta algumas características peculiares. A mais evidente é, ao menos na Igreja latina, o celibato: o presbítero é chamado — pois recebeu como um dom que é parte de sua vocação — a viver sua afetividade renunciando ao matrimônio. Isto é, não somente ao exercício da função sexual, mas também a compartilhar um projeto de vida com uma mulher, que seria sua companheira também afetivamente.
O celibato pelo Reino dos Céus (cf. Mt 19,12) não significa renunciar à própria condição sexuada, nem pretender que se extingam as paixões e emoções neste âmbito. Ao contrário, requerirá integrar — para continuar empregando o termo utilizado no Catecismo — todas essas reações dentro do projeto vital, da vocação.
A terceira edição da Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis faz eco à necessidade de uma adequada formação dos candidatos ao sacerdócio neste âmbito: “No campo psicológico [a formação] se ocupa da constituição de uma personalidade estável, caracterizada pelo equilíbrio afetivo, o domínio de si e uma sexualidade bem integrada”.[1]
Estes três pontos servirão como guia para discernir se o candidato ao sacerdócio — ou o ingressante no seminário — alcançou a “suficiente maturidade”[2] que o Código de Direito Canônico considera como condição necessária para aceder às Ordens Sagradas. Esse discernimento será feito com base, tanto na observação do comportamento externo do candidato por parte dos formadores, como na abertura confiante do seminarista nas conversas com eles.
A visão do celibato sacerdotal que emerge da Ratio é eminentemente positiva: ele não é visto como uma carga ou um tributo que é preciso pagar, mas como um dom de si mesmo que o sacerdote faz a Deus, e sobretudo como um dom que recebe d’Ele e que permite amar a Cristo com um coração indiviso, dedicar-se mais livremente ao serviço de Deus e dos homens, e tornar-se mais apto a aceitar em Cristo uma paternidade mais ampla. Visto assim, o celibato não apenas não prejudica o adequado desenvolvimento do homem, como também “desenvolve a maturidade da pessoa, tornando-a capaz de viver a realidade do próprio corpo e da própria afetividade a partir da lógica do dom”.[3]
A falta de uma adequada integração, pelo contrário, tornaria desaconselhável proceder à ordenação: “seria gravemente imprudente admitir ao Sacramento da Ordem um seminarista que não tivesse desenvolvido uma afetividade serena e livre, fiel na castidade celibatária, através do exercício das virtudes humanas e sacerdotais, entendida como abertura à ação da graça e não apenas como esforço da vontade”.[4]
Somente quem tiver uma afetividade bem integrada, isto é, quem souber viver com naturalidade e de acordo com a moral cristã a sua condição de homem, com tudo o que ela implica (atração pelo sexo feminino, curiosidade, paixões que às vezes se manifestam com mais força, etc.), estará em condições de assumir os compromissos do celibato. Em outras palavras: quem alcançou o domínio de si mesmo, sem deixar-se arrastar pelas paixões, pode entregar a Deus o exercício de sua sexualidade. Quem não tiver chegado a esse autodomínio, dificilmente poderá fazer uma doação total.
Busca-se com isso o bem do próprio candidato — e, portanto, o do futuro sacerdote —, pois uma decisão precipitada o levaria a assumir compromissos que, em suas presentes condições psíquicas e afetivas, poderia não estar em condições de viver, tornando muito difícil a sua entrega e colocando em risco a fidelidade ao carisma recebido. Por outro lado, o bem dos fiéis exige que os pastores tenham não somente uma sólida formação doutrinal, mas também uma adequada maturidade interior.[5]
Parece-nos oportuno chamar brevemente a atenção — embora o tema seja desenvolvido mais detalhadamente ao longo do livro — para os meios que a Ratio assinala para a formação da afetividade e para favorecer o progressivo amadurecimento humano dos candidatos ao sacerdócio. O documento destaca o acompanhamento pessoal por parte dos formadores,[6] a direção espiritual — considerada “um instrumento privilegiado para o crescimento integral da pessoa”[7] —, a vida de oração e a graça obtida nos Sacramentos (Eucaristia e Penitência). Por último, indica-se que em alguns casos será recomendável o recurso a especialistas em saúde mental,[8] tema que também será abordado nestas páginas.
Conteúdo do livro
Entre os dias 5 e 9 de fevereiro de 2018 aconteceu na Pontifícia Universidade da Santa Cruz (Roma) a V Semana de Estudos para Formadores de Seminários, com o título “Ensinar e aprender a amar. A afetividade humana e a castidade cristã”. Quase uma centena de sacerdotes procedentes de dezessete países se reuniram na Cidade Eterna para refletir sobre este aspecto da formação dos candidatos ao sacerdócio a partir de diversos pontos de vista (teológico, filosófico, pastoral e psicológico). Tanto nas colocações como no diálogo entre os participantes surgiram ideias e abordagens úteis para apresentar a virtude da castidade de um modo mais prazeroso, integrado, cheio de significado, paternal e apostolicamente eficaz na vida do candidato ao sacerdócio.
O presente livro recolhe algumas das conferências apresentadas naquela ocasião, e quer ser uma ajuda para que os diversos protagonistas da direção dos seminários possam ajudar os candidatos a crescerem humana e espiritualmente em seu caminho de configuração a Cristo, Bom Pastor. Pensamos, além disso, que a maior parte destas sugestões são também aplicáveis aos que já receberam a ordenação e aos jovens que buscam ajuda para levar uma vida autenticamente cristã.
As colocações foram agrupadas em três partes que formam o esqueleto do livro: uma primeira parte filosófico-teológica, uma segunda psicológica, e uma terceira que poderíamos chamar existencial, que mostra o fruto de uma vida casta na entrega de si mesmo aos demais.
A virtude cristã da castidade: questões teológicas e antropológicas
A primeira parte apresenta as bases teológicas e antropológicas da castidade, entendida como uma virtude necessária para o crescimento na vida de relação com Deus, para o desenvolvimento harmônico da personalidade e para conseguir uma relação sadia com os demais homens. Ela deve, portanto, ser vista como uma virtude alegre, positiva e sempre aberta ao crescimento.
O livro se inicia com a reflexão de Sua Eminência Reverendíssima Dom José Maria Yanguas (Bispo de Cuenca, Espanha) sobre a relação da castidade com as três virtudes teologais. A exposição parte da vida nova em Cristo que o cristão inaugura com o Batismo: uma nova forma de ser que implica em um novo modo de agir. Daí se deduz a necessidade de uma vida moral que lhe permita atuar como outro Cristo. A castidade, sem ser a mais importante das virtudes, é necessária para deixar-se conduzir pelo amor de Deus, para que a inteligência se abra à luz da fé e para que o homem ponha sua esperança nos bens espirituais.
Julio Diéguez (professor de Teologia Moral na Pontifícia Universidade da Santa Cruz) apresenta a castidade pela perspectiva da virtude cardeal da temperança. Uma formação que assuma este enfoque não deveria centrar-se em evitar determinados comportamentos ou em adequar a conduta a determinadas normas. Antes, deveria tratar-se de educar a própria inclinação, de maneira a experimentar uma conaturalidade, também afetiva, com o bem. O capítulo termina desenvolvendo os meios que podem ajudar a crescer nesta virtude, agrupados em dois tipos: os que dependem do próprio sujeito e os que podem ser oferecidos pelo seminário.
Por último, Paul O’Callaghan (professor de Antropologia Teológica na Pontifícia Universidade da Santa Cruz) destaca a necessidade que toda pessoa tem de saber-se amada como condição para poder amar aos demais. Para facilitar uma eficaz doação ao próximo, sacrificada, perseverante e generosa, ele propõe uma dinâmica da gratificação diferida, que consiste em respeitar os tempos do amor sem buscar a satisfação imediata dos desejos e exigências. Desenvolve sua tese em seis pontos práticos que podem servir para a formação dos seminaristas.
A perspectiva psicológica
As ciências humanas, e concretamente a medicina e a psicologia, podem ser de grande utilidade no trabalho de formação. Essas disciplinas ajudam a compreender tanto o funcionamento normal da psique humana como as causas e o tratamento das diversas enfermidades mentais, bem como as medidas que podem ser tomadas no trabalho de formação para fomentar um desenvolvimento sadio da personalidade, que é a melhor prevenção contra estas patologias. Além disso, elas nos oferecem instrumentos para o discernimento vocacional daqueles que estão considerando um possível chamado ao sacerdócio.
Esta parte começa com o capítulo de Wenceslao Vial (médico e professor de Psicologia e Vida Espiritual na Pontifícia Universidade da Santa Cruz), que faz um breve percurso pela psicopatologia, detendo-se em alguns quadros que podem ser encontrados com mais frequência entre os seminaristas: os transtornos de personalidade, os transtornos afetivos e a síndrome do burnout. Em sua exposição, ele destaca alguns sinais que podem servir de alerta e contribuir para um diagnóstico precoce.
Francisco Insa (psiquiatra e professor de Bioética na Pontifícia Universidade da Santa Cruz) estuda dois tipos específicos de personalidade: a dependente e a obsessivo-perfeccionista. Para suas reflexões, parte da teoria do apego, desenvolvida pelo psicólogo americano John Bowlby, que dá uma base para entender a origem destes aspectos da personalidade. Finalmente, oferece orientações práticas que podem ajudar no trabalho de formação dos candidatos que apresentem estas características.
Os tristes casos de abuso de menores por parte de alguns eclesiásticos são abordados por Hans Zollner (decano do Instituto de Psicologia e presidente do Centro para a Proteção de Menores da Pontifícia Universidade Gregoriana). Ele destaca que a proteção dos menores não é uma incômoda tarefa acrescentada ao verdadeiro trabalho pastoral como consequência desses lamentáveis episódios, mas que faz parte da missão própria da Igreja. Aponta quatro âmbitos de trabalho neste campo: a atenção às vítimas, uma atitude de abertura e transparência, o compromisso com a prevenção e uma dinâmica de formação e atualização permanente dos presbíteros.
Partindo de sua ampla experiência profissional, Carlos Chiclana (psiquiatra e professor de Psicopatologia na Universidade San Pablo CEU de Madrid) apresenta alguns critérios clínicos para detectar que um indivíduo perdeu o controle sobre sua conduta sexual porque esta passou a ser patológica (especialmente, mas não de modo exclusivo, pelo uso de pornografia online). Depois de assinalar alguns fatores predisponentes, sublinha as condições que deveriam levar o formador a compreender que é necessário recorrer a um profissional de saúde mental. Finalmente, acrescenta algumas indicações práticas para ajudar pessoas com esses problemas.
O desenvolvimento de uma verdadeira fraternidade e paternidade cristã
O livro termina descrevendo o fruto de uma afetividade madura: a capacidade de dar-se aos outros, seja vivendo uma enriquecedora amizade com uma grande variedade de pessoas — especialmente a fraternidade com os demais seminaristas, e depois com os demais sacerdotes — seja no trabalho pastoral que se realizará depois da ordenação.
O celibato sacerdotal, como ressalta Maurizio Faggioni (professor de Teologia Moral Sistemática na Accademia Alfonsiana e médico endocrinologista), implica em uma forma peculiar de viver a afetividade, mas o sacerdote não perde, com a ordenação, a necessidade de estabelecer relações profundas com as quais possa compartilhar a própria intimidade. A amizade se mostra como um lugar privilegiado onde satisfazer esta necessidade, tanto mediante a fraternidade com os que partilham da mesma vocação, como no trato com homens e mulheres de todas as condições. Ele desenvolve o conceito de amizade espiritual, que é aquele afeto verdadeiramente sólido e profundo que ajuda os amigos a responder cada vez melhor ao próprio chamado.
Por último, Sua Eminência Reverendíssima Dom Massimo Camisasca (bispo de Reggio Emilia-Guastalla) faz a ligação com o capítulo inicial e relaciona a castidade do cristão com o chamado a identificar-se com Jesus Cristo, concretamente em sua relação de amor com o Pai e em seu olhar amoroso para os homens. Esta forma de vida facilita o desenvolvimento de uma maturidade também humana e capacita o sacerdote para exercer a paternidade espiritual para com seus fiéis, gerando Jesus Cristo no coração e na vida dos homens.
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Esperamos que este livro seja útil aos responsáveis pela formação nos seminários, em sua tarefa de ajudar os candidatos a amar a Deus e ao próximo com um coração íntegro e puro. Assim, a partir de sua própria experiência, eles poderão ensinar as pessoas que buscarão sua ajuda espiritual a crescer neste amor.
[1]Congregação para o Clero, O dom da vocação presbiteral. Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis, 8 de dezembro de 2016, Libreria Editrice Vaticana, Cidade do Vaticano 2016, nº 94. Para um estudo mais completo sobre a dimensão humana da formação na nova Ratio, cf. F. J. Insa Gómez, L'uomo, il discepolo, il pastore. La formazione umana nella terza edizione della Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis, “Annales Theologici” 32, (2018) pp. 11–44; as páginas 24–32 se referem à formação da afetividade. [2] Código de Direito Canônico, c. 1031, §1. [3] Congregação para o Clero, O dom da vocação presbiteral, nº 110. [4] Ibid. [5] Cf. Ibid, nº 41. [6] Cf. Ibid, nº 44–49. [7] Ibid, nº 107. [8] Cf. Ibid, nº 63.
descrição
Em várias ocasiões, o Papa Francisco propôs uma “revolução de ternura” tanto para os cristãos como para toda a humanidade. Ele está convencido de que a força da fé atinge as periferias do mundo “por atração”: a atração do amor vivido de modo sacrifi cado, universal, transparente e alegre. A partir dessas palavras é possível entender a importância, especialmente para os futuros sacerdotes, de aprender a amar com maturidade e de ensinar os outros a amar. .
Em fevereiro de 2018, o Centro de Formação Sacerdotal da Pontifícia Universidade da Santa Cruz (Roma) organizou a “V Semana de Estudos para Formadores de Seminários”, cujo tema era: Ensinar e aprender a amar: a afetividade humana e a castidade cristã. Esta reunião, que com a presença de sacerdotes de 17 países, serviu para uma refl exão multidisciplinar – teológica, filosófica, pastoral e psicológica – sobre os vários aspectos da formação da afetividade nos candidatos ao sacerdócio. .
O presente livro reúne algumas das conferências que foram pronunciadas durante esse congresso. Ele pretende ser uma ferramenta prática para que os vários protagonistas na direção dos seminários possam ajudar os candidatos a amar a Deus e aos homens com um coração cada vez mais limpo. Assim, a partir da sua própria experiência, os sacerdotes poderão ensinar as pessoas que buscam sua ajuda espiritual a crescer nesse amor.
ficha técnica
ISBN: 978-85-5638-175-0
Páginas: 210
Formato: 14 x 21 cm
Peso: 0,29 kg
Acabamento: Brochura
Idioma: Português