No dia 19 de março de 2016, Papa Francisco assinou a Exortação Apostólica Pós-Sinodal
Amoris laetitia. Nela, o Papa colocou em evidência muitos temas, alguns de modo mais amplo e outros de forma simplificada. Para o Capítulo VIII, no qual o Pontífice tratou dos assim chamados “casos difíceis”, ele escolheu como título: “Acompanhar, discernir e integrar a fragilidade”. Lendo todo o documento, sem nos determos especificamente nos diversos temas cuja reflexão nos é proposta, podemos observar que esses três verbos aparecem como modus operandi proposto pelo Papa para a pastoral, o qual deve ser assumido pelos pastores da Igreja e todos os seus membros em vista de uma fecunda pastoral familiar que, além de curar as feridas, previne-as.
Acompanhar, discernir e integrar a fragilidade não é, no entanto, uma tarefa que se refere exclusivamente à situação das famílias, mas a todo o povo de Deus. Este serviço, em suas mais diversas circunstâncias, está confiado particularmente aos bispos e aos sacerdotes, seus colaboradores, que o exercitam, de modo particular, através da celebração do Sacramento da Confissão e da direção espiritual.
Os sacerdotes, no exercício do seu ministério de confessor e de diretor espiritual, entram numa íntima relação com os penitentes e dirigidos. Nesta relação, os ministros desempenham um serviço de caridade fundamental, ainda que não exclusivo, no processo de crescimento empreendido pelo cristão, que deve levá-lo sempre mais próximo do ideal proposto por Cristo no Seu Evangelho. A pergunta que surge é: qual é esse serviço de caridade; como eles o exercem; e quais são os elementos que o compõem em vista do acompanhamento, discernimento e integração das fragilidades?
Dentre aqueles que dedicaram energia para responder de modo reflexivo e prático a esta pergunta está Santo Afonso Maria de Ligório, bispo e fundador da Congregação do Santíssimo Redentor. Sua doutrina moral e a práxis pastoral por ele incentivada, ambas sobre o serviço dos confessores e diretores espirituais, gozam de uma particular eminência e importância, não só para o seu tempo, e lhe rendeu o título de doutor da Igreja
[1] e de patrono dos moralistas e confessores
[2].
Considerando o reconhecimento dado a Santo Afonso pela suprema autoridade eclesiástica e a sua eminente doutrina, creio que as indicações feitas pelo santo napolitano gozam de solidez e atualidade e podem iluminar o ministério dos atuais confessores e diretores espirituais a fim de que eles possam assumir a difícil e grave tarefa de acompanhar, discernir e integrar as fragilidades dos membros da Igreja, cooperando para que eles caminhem decididamente em direção ao ideal proposto por Cristo no Seu Evangelho. Por esta convicção, propus-me a pesquisar alguns títulos da obra afonsiana a fim de encontrar na sua teologia moral, espiritual e pastoral, elementos que podem oferecer luzes aos ministros ordenados da atualidade para que exercitem de modo profícuo este seu serviço de caridade junto ao povo de Deus
[3].
Este livro é o resultado final da pesquisa empreendida. Na primeira parte dele, será apresentada a chave de leitura usada para compreender a proposta teológico-pastoral de Santo Afonso. Na segunda parte, serão expostos os dois elementos da proposta afonsiana que, para o objetivo dessa pesquisa, parecem ter maior relevância. Na terceira parte, tentar-se-á indicar, a partir da proposta de Afonso, como o confessor de hoje pode melhor acompanhar, discernir e integrar as fragilidades. Na última parte, será exposto um paralelo entre a visão afonsiana e a do Papa Francisco sobre o nosso tema em questão
1. À procura de uma chave de leitura
Cada texto escrito sobre a proposta teológico-pastoral de Santo Afonso, tendo como base a sua vida e suas obras, procura compreendê-la a partir de uma perspectiva própria, que funciona como elemento unificante da sua vida e do seu pensamento. Apesar de diferentes, tais perspectivas são, no fundo, complementares entre si. Cada texto dá, portanto, um enfoque particular que coloca em evidência um ou mais aspectos que, somados aos outros, vão nos ajudando a delinear e compreender a grandeza da vida e a magnitude da proposta teológico-pastoral afonsiana. Um ângulo no qual podemos nos colocar e que me parece privilegiado para compreendermos a proposta teológico-pastoral do santo napolitano é a sua experiência de vida, marcada pelo momento histórico em que viveu.
Para quem crê, a história não é mera sucessão de fatos, mas lugar da presença e da revelação de Deus e, portanto, história de salvação. Como acontece para todos, a vida de Santo Afonso foi marcada por diversas experiências que, integradas na unidade da sua pessoa, além de forjar seu modo de ser e de ver o mundo, conduziram-no à compreensão da vontade de Deus e, posteriormente, a sua resposta a Ele que, em última instância, inclui também a sua proposta teológico-pastoral. Por isso, nesta seção, desejamos ver como a história de vida de Afonso pode nos dar uma chave de leitura para compreendermos esta sua proposta.