Apresentação
Recolhem-se neste livro 28 meditações, que foram gravadas em podcast, durante os meses de confinamento obrigatório por causa da pandemia do coronavírus. A finalidade dessas pregações era ajudar a viver com paz, na companhia de Cristo, os sacrifícios e limitações que a quarentena prolongada impunha.
Não quis, porém, limitar o foco aos conflitos e problemas causados pela pandemia, ainda que, nas meditações, se aluda várias vezes a eles. Achei que seria preferível seguir o conselho da Carta aos Hebreus, escrita em circunstâncias angustiantes de perseguição contra os cristãos da Palestina: manter os olhos fixos em Jesus, autor e consumador da nossa fé (Hb 12,1).
Creio que, ao lado dos relatos sobre a Paixão de Cristo, não há, em todo o Novo Testamento, um texto que nos faça conhecer mais a fundo o coração de Cristo e seu amor por nós do que o longo diálogo de despedida de Jesus com seus apóstolos, tal como o descreve São João - de forma tocante e detalhada - nos capítulos 13 a 16 do seu Evangelho.
Neste livro, como fizemos oralmente nos podcasts que estão na base dele, iremos meditando e orando, quase que parágrafo por parágrafo, esses quatro capítulos. O texto do livro, no entanto, não é uma simples transcrição das pregações dos podcasts, mas - mantendo exatamente o mesmo conteúdo - uma adaptação do estilo daqueles comentários verbais ao estilo de um texto para publicação em forma de livro.
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Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis e acendei neles o fogo do vosso amor. Enviai o vosso Espírito e tudo será criado, e renovareis a face da terra!
Primeira meditação: Amou até o fim
Esta é a primeira de uma série de meditações breves sobre umas horas importantes na vida de Jesus, tal como as descreve com detalhe São João nos capítulos 13º a 16º do seu Evangelho. Trata-se das últimas horas que Jesus passou conversando com seus apóstolos durante a Última Ceia, na intimidade do Cenáculo, antes de se iniciar o drama da Paixão.
São João começa a descrever esses momentos dizendo: Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a hora de passar deste mundo ao Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim (Jo 13,1). Na Ceia, João estava à mesa junto de Jesus — reclinado como todos os outros em almofadas, segundo o costume —, e estava tão perto que, num dado momento, quando quis perguntar discretamente a Jesus o nome do traidor, teve que fazê-lo encostando a cabeça sobre o peito dele. Sua memória dessas horas é, portanto, preciosa para nós.
Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim. Essas palavras tocam profundamente a alma. Eu confesso que gosto de meditá-las com frequência e sempre me impressionam. Tendo amado os seus... Que definição maravilhosa de uma vida que, agora, na terra, está chegando ao fim. Amou os “seus”, especialmente os que lhe eram mais chegados: sua Mãe, Santa Maria; São José, que cuidou dele com carinho de pai; todos os discípulos, as santas mulheres, e os doze apóstolos que agora se encontravam com ele à mesa.
Os Doze o tinham acompanhado dia após dia, durante três anos; tinham ouvido sua pregação do Reino de Deus; extasiaram-se, contemplando o resplendor divino da sua glória no Monte Tabor; testemunharam curas e milagres; viram a ternura, a compreensão, a paciência, a doação total que brotavam do Coração humano de Cristo, inundado pelo amor divino. Tinham, portanto, tudo para vislumbrar o que significava amar até o fim. Mas não tinham visto ainda o cume máximo desse amor. Iam vê-lo agora.
Com certeza, ficaram intrigados ao perceber o capricho muito especial com que Jesus quis preparar aquela Ceia pascal. Jesus falava daquela Páscoa como de coisa sonhada desde fazia muito tempo. Direis ao dono da casa: “O Mestre te pergunta: onde está a sala em que comerei a Páscoa com os meus discípulos?” E ele vos mostrará, no andar superior, uma grande sala, provida de almofadas; preparai ali (Lc 22,11-12). Falava do Cenáculo como se o estivesse vendo.
O Evangelho continua: Quando chegou a hora, ele se pôs à mesa com seus apóstolos e disse-lhes: “Desejei ardentemente comer convosco esta Páscoa, antes de sofrer”. Era um sonho, sim! Um sonho acalentado longamente por Jesus, pois seria a hora do amor até o fim daquele que tinha amado tanto.
E tomou um pão, deu graças, partiu-o e o distribuiu a eles dizendo: “Isto é o meu corpo, que é entregue por vós. Fazei isto em minha memória”. E, depois de comer, fez o mesmo com o cálice, dizendo: “Este cálice é a Nova Aliança em meu sangue, que é derramado por vós” (Lc 22,1-20).
Os apóstolos emudeceram. Seus olhos se abriam de assombro e de emoção, quando Jesus pessoalmente lhes deu a Eucaristia. Perceberam toda a riqueza daquele milagre inefável? Provavelmente, não. Só depois, com a ajuda do Espírito Santo, deram-se conta de que Cristo fundiu, no mistério eucarístico, a doação de seu corpo e sangue como alimento, e o sacrifício expiatório da Cruz: corpo entregue, sangue derramado.
Se nós abríssemos os olhos da alma, despertando do torpor da tibieza, se soubéssemos enxergar aí “a maior doação de Deus aos homens”, como dizia São Josemaria, cairíamos de joelhos agora mesmo, em adoração e ação de graças. Perante essa maravilha indescritível, que Jesus quis perpetuar na Missa, na Comunhão e no Sacrário, não precisamos de fazer nenhum esforço para entender, como uma evidência, o que São João escreveu na sua primeira Carta: Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é Amor. Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele quem nos amou primeiro e enviou o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados (1Jo 4, 8-10).
Vamos gravar na alma hoje o primeiro versículo deste capítulo 13º de São João: Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-o até o fim. Acompanhando a sequência desse Evangelho, iremos considerando esse seu amor em todas as próximas meditações.
Eu peço a Deus que esses momentos de reflexão e oração nos ajudem, nos dias difíceis da quarentena da Covid-19, a não ficarmos debruçados sobre nós mesmos, lamentando as nossas limitações, privações e padecimentos. Tiremos do olhar o foco egoísta, e fixemo-lo no amor de Cristo; e, junto com ele, em todos os que ele ama, nos nossos irmãos e irmãs. Esta é a melhor medicina para os “confinados”; e para todos, ao longo da vida, que deveria continuar exatamente com o mesmo foco quando voltarmos à normalidade.